Caminhando de mãos dadas com a evolução dos seres humanos, desde há cerca de 6 mil anos que o vinho se apresenta como um contributo significativo para a história, incluindo a da religião. Momentos marcantes do catolicismo, como a criação do vinho de Noé ou até o milagre da transformação da água, envolveram estes néctares em mística e espiritualidade e, por isso, várias são as celebrações cristãs com uma relação com esta bebida. Uma das mais cruciais é exatamente a Páscoa e, consequentemente, a Última Ceia, refeição partilhada entre Jesus e os apóstolos antecedendo a sua crucificação. Porém, passados tantos séculos, a pergunta permanece: que vinho beberam eles nesta que é uma das passagens bíblicas mais significativas?
Uma relação milenar com a religião
Com uma memória que chega aos milhares de anos, o vinho encontra-se intimamente ligado à religião, possuindo diferentes simbologias para os vários tipos de crenças. De facto, a sua origem é tão remota que já na época dos povos gregos e romanos o vinho assumia um grande papel não só no dia a dia das pessoas, mas também nas suas respetivas religiões. Retratando um autêntico objeto de reverência, esta bebida era representada pelo deus grego Dionísio e pelo romano Baco.
Dionísio com uma criança, Museu Arqueológico Nacional de Nápoles (Fonte: Wikipédia)
Baco, por Caravaggio, Galleria degli Uffizi (Fonte: Wikipédia)
Contudo, é na génese do cristianismo que estes néctares encontram alguma da sua maior representatividade, marcando várias passagens do Antigo e do Novo Testamentos.
Retratado de forma mais ou menos explícita, no Antigo Testamento o vinho só não é mencionado no Livro de Jonas e, segundo os devotos a Moisés, a Terra Prometida foi inicialmente perspetivada através da imagem de um cacho de uvas.
Representando não só o sangue de Jesus, mas também a pureza, no Novo Testamento esta bebida faz parte de passagens como a conversão da água em vinho nas bodas de Caná — o primeiro milagre atribuído a Jesus Cristo.
Bodas de Caná, por Giotto, Capela Scrovegni (Fonte: Wikipédia)
Entre estudos e especulações, as respostas para o vinho da Santa Ceia
Diretamente relacionado com diversos momentos do universo cristão, o vinho marcou o seu ponto de destaque aquando a Última Ceia. Assim, na noite que antecedeu a sua crucificação, Jesus reuniu-se com os apóstolos num jantar final no qual partilharam o pão, que simbolizava o seu corpo, e o vinho, que representava o sangue que por ele viria a ser derramado
Pela importância que estes néctares assumiram não só para o cristianismo em geral, mas mais especificamente neste relato bíblico, surgiu a crescente curiosidade de qual o vinho que efetivamente foi partilhado na Santa Ceia.
Representação da Última Ceia, por Leonardo da Vinci
Várias teorias foram desenvolvidas de forma a responder a esta questão, porém, foi Patrick McGovern, um arqueólogo e professor do Museu da Arqueologia da Universidade da Pensilvânia, quem trouxe considerações mais esclarecedoras
Baseando-se nas técnicas de vinificação praticadas na época, o professor acredita que o vinho da Última Ceia potencialmente se assemelha ao vinho Amarone consumido atualmente, sendo proveniente dos remotos solos da Transjordânia. Além do mais, reforça a sua teoria ao afirmar que na época a maioria dos vinhos eram fruto de uma mistura com água e até com especiarias e, uma vez que a bebida servida nesse momento tinha de ser pura, então era bastante forte e envelhecida de forma natural.
Por sua vez, outros pesquisadores também têm vindo a apresentar as suas propostas sobre os vinhos deste período histórico, como é o caso do professor de arqueologia, Guy Bar-Oz. Com uma interpelação mais teórica destas questões, o estudo deste professor parte do ADN encontrado nas sobras de sementes de uvas. Porém, a sua análise ainda não chegou a resultados mais concretos.
Representação da Última Ceia em vitral
No entanto, apesar destes estudos se direcionarem para conclusões bastante particulares, diferentes interpretações do conteúdo da Bíblia vêm negar estas afirmações.
Efetivamente, as bebidas alcoólicas são por várias vezes condenadas no decorrer dos textos bíblicos e, por isso, acredita-se que o vinho bebido na Última Ceia era apenas o sumo natural proveniente da uva e não possuía qualquer teor alcoólico.
Além do mais, para corroborar com esta teoria, sabe-se que, durante a semana da Páscoa, os israelitas não podiam beber líquidos fermentados, nem mesmo provar o pão com fermento.
Assim, o mais provável é que o vinho servido por Jesus Cristo aos seus discípulos durante a Santa Ceia era livre de álcool.
Chegando a assumir quase que uma natureza divina, de facto, o vinho possui um grande papel na história das diversas religiões. Presente desde o Judaísmo até ao Catolicismo, ainda que a essência de consumir vinho fosse distinta na altura, esta bebida continua a fazer parte de alguns dos mais importantes rituais religiosos e do quotidiano do crescente número de apreciadores.