A vontade era de ser médico, mas como nunca foi extremamente empenhado na escola, acabou caindo na Enologia — ainda bem! Quem saiu ganhando fomos todos nós, amantes de vinhos, pois Jorge Rosa Santos é um dos grandes enólogos da atualidade, a colecionar prêmios atrás de prêmios.

Nascido em Lisboa, Jorge se formou no Instituto Superior de Agronomia – ISA. Com produção de vinhos em todos os cantos do país, sua rotina é bastante agitada, incluindo viagens entre Lisboa, Colares, Douro e Alentejo todas as semanas. Entre as viagens, Jorge aproveita o tempo para focar em seu projeto Lés-a-Lés, que recupera castas antigas e estilos de vinhos raros em Portugal.

Enólogo Jorge Rosa Santos

Jorge começou sua carreira de enólogo no Douro, na Quinta do Couquinho em 2004, onde fez três vindimas. Com apenas 22 anos, rumou à Austrália para um estágio de quatro meses como enólogo assistente e mais quatro meses na Nova Zelândia. Quando voltou a Portugal, Jorge passou um ano trabalhando na Herdade Grande, até receber uma proposta para o Azeitão.

Atualmente, o enólogo faz parte de quatro projetos distintos: Lés-a-Lés, Casal Santa Maria, Colinas do Douro e o projeto familiar, que tem as linhas Explicit e Implicit, idealizadas entre Jorge e seus irmãos. Segundo Jorge, os vinhos Explicit são mais conceituais e focados em um binômio de concentração e estrutura, com teor alcóolico de 15º. Já a linha Implicit tem um perfil mais descontraído.

Acompanhe a seguir a nossa conversa com Jorge Rosa Santos e descubra mais sobre esse grande enólogo.

Por que você escolheu Enologia?

Minha família sempre teve uma ligação com as quintas. Nas férias passávamos duas semanas na praia e as outras duas na quinta dos meus avós, com animais, vinhas e uma adega antiga que já estava desativada àquela altura. Meus avós não eram agricultores profissionais, aquilo era muito mais um hobby. Aos meus 17 anos, quando tive que decidir o que faria da minha vida, tinha o desejo de ser médico, como meu pai. Mas nunca fui um aluno que estudava muito, e para ser médico é preciso ter médias altas. Quando me formei, tive três opções: veterinária, engenharia agronômica ou engenharia alimentar. Escolhi engenharia agronômica e quando terminei as cadeiras comuns, escolhi o ramo de vinhos junto com meus amigos. Devo a eles esta minha carreira e o que sou hoje em dia.

Tem uma casta que você gosta mais de trabalhar?

Podia falar de uma casta que ninguém tenha ouvido falar, mas descobri um novo amor pela Touriga Franca, que é para mim a casta mais adaptada para o terroir do Douro Superior e Cima Corgo. No Baixo Corgo, onde o clima é mais úmido, a Touriga Nacional é capaz de se desenvolver bem. No entanto, a Touriga Franca está muito adaptada aos desafios que temos à frente, nomeadamente o aquecimento global e as alterações climatéricas. Essa é uma casta que tem uma resistência enorme ao estresse hídrico e entrega vinhos que são de elegância e pureza fenomenais.

Enólogo Jorge Rosa Santos

Qual é o seu estilo de vinho?

Faço desde vinhos frescos e elegantes a vinhos focados em concentração e estrutura. Acredito que quando somos enólogos de uma determinada casa, quem assina os vinhos não é só o enólogo, é sobretudo o produtor. No trabalho no Casal Santa Maria, sob a direção do Nicholas Von Bruemmer, parte dele escolher um perfil de vinho. E o perfil de vinho é o da casa. Em algum momento deixarei de ser enólogo do Santa Maria, mas o perfil de vinhos é aquele. Não há um estilo de vinhos que eu prefira fazer. Eu tenho respeito pelo produtor e o perfil de vinhos que ele quer criar, e também pela região, claro. Eu vivo muito bem a fazer vinhos no Alentejo ou num terroir que entregue vinhos com perfil de clima frio, como Colares. Portanto, eu não consigo dizer que tenha estilos de vinhos preferidos, mas gosto, sobretudo, da diferença.

Enólogo Jorge Rosa Santos

Você produz vinhos de toda gama de preços. O que é mais difícil fazer, um vinho mais simples ou os das gamas mais altas?

Normalmente, no meu perfil de enólogo, é muito mais natural fazer de gamas médias para cima — acima de 10€ —, do que aqueles abaixo desse valor. Quando os vinhos são sérios demais, são mal interpretados dentro da gama em que se inserem. Um vinho de 5€ ou 6€, por exemplo, se complica muito se não é redondinho, todo polido em termos de arestas e se não tem um nariz muito orientado em termos de fruta. Esse vinho iria se inserir melhor em gamas médias com valor acima de 10€. Às vezes faço vinhos de 5€ ou 6€ com uma taxa de esforço muito maior do que em um vinho de 10€, 15€ ou 20€. Vale lembrar que a seriedade, seja em gama alta ou baixa, deve estar sempre presente, independentemente do patamar de preço que o vinho se insere.

Você tem alguma sugestão curiosa de harmonização?

O Ramisco, do Casal Santa Maria, com chocolate. É um desafio que de vez em quando fazemos e que as pessoas tendem a gostar. Normalmente deve ser um chocolate preto, com muito pouco açúcar, intenso e que depois se confronta um pouco com a salinidade e o perfil de rosa do Ramisco. Na boca, o fato de o chocolate não adocicar muito e deixar umas notas “salgadas” vai muito ao encontro ao que é o Ramisco, que tem exatamente essas notas.

“Eu acredito que quando nós somos enólogos de uma determinada casa, quem assina os vinhos não é só o enólogo, é sobretudo o produtor”

Nunca ouvi falar de Ramisco… é uma casta de qual região?

O Ramisco é uma casta de Colares. No casal Santa Maria tem duas castas que podem ser utilizadas para se fazer um DOC Colares: o Ramisco, uma casta tinta, e a Malvasia de Colares, uma casta branca. O Ramisco é uma casta que tem muito pouca concentração. Na cor é quase semelhante à Pinot Noir, mas na boca é muito mais rústico, mais taninoso, terroso, balsâmico e cheio de notas de resina. Normalmente estagia por cerca de 8 anos em madeira exótica trazida do Brasil no início do século: macadâmia, mogno e outras madeiras. O vinho é extremamente complexo, elegante, fresco, cheio de acidez e salinidade.

Enólogo Jorge Rosa Santos

Se você tivesse que produzir os seus vinhos fora de Portugal, que região você escolheria?

Provavelmente escolheria Champagne. Gosto de experimentar coisas novas e diferentes. Às vezes as pessoas não percebem, mas fazer vinho do Porto é muito diferente de fazer vinho de mesa, que também é muito diferente de fazer um espumante ou um champagne — são tecnologias e metodologias de produção diferentes. Só pelo desafio de saber que é totalmente diferente e que aprenderia coisas novas, escolheria a região de Champagne.

De todos os vinhos que você já criou, qual foi o mais marcante?

O último vinho que produzi me fez arrepiar quando o provei. O Medieval de Ourém da edição de 2017, da Lés-a-Lés, provei da barrica antes de engarrafar e me espantou a qualidade do vinho e aquilo que ele representava. Além dele, lembro do primeiro Explicit Tinto feito em 2008 na nossa garagem, sem condições nenhuma. Tínhamos uma máquina de imperial para refrigerar a fermentação. Utilizamos as mangueirinhas, depois buscamos os ferros das cortinas de tomar banho, enrolamos o varão e fizemos uma espiral para colocar a água que estava na cuba da imperial para correr e refrigerar nossa fermentação. Tudo foi feito de forma tão artesanal que este vinho ficará para sempre na memória.

Você se inspira em algum enólogo?

Há excelentes nomes em Portugal e no mundo, claro, mas a referência que poderei ter mais próxima de enólogos em Portugal é Luís Duarte, com quem trabalhei na Herdade Grande. O pragmatismo nas decisões dentro da adega é algo que aprendi com ele. Isso organiza e estrutura muito bem uma adega, o poder de decisão é importantíssimo. Em termos de perfil de vinho, há pessoas que me inspiram. Nomeadamente, Anselmo Mendes e seus brancos é um grande exemplo de enólogo consistente, que ano após ano entrega vinhos brancos com uma qualidade fantástica. Também há o exemplo de uma escola de enologia, a Sogrape. Portanto, não consigo nomear um enólogo específico, mas consigo admirar, respeitar e me inspirar muito na escola de enologia que se criou dentro da empresa. A casa define muito mais o estilo do que o enólogo. Isso é inspirador para mim também.

Qual é a decisão mais difícil no processo de elaboração de um vinho?

Durante a vindima não temos muito tempo para pensar. Podemos programar e organizar as ideias antes, mas no momento da vindima as decisões tomadas são muito empíricas e imediatas. As coisas acontecem de forma muito rápida, e não é possível remoer decisões. Quando decido, já não penso mais naquilo que decidi. Para mim, a altura que fico remoendo decisões é no afinamento entre o estágio e o engarrafamento. É aí que fico mais tempo pensando e remoendo a melhor decisão a tomar. Essa decisão é muito mais difícil, é o detalhe final que pode estragar alguma coisa.

Enólogo Jorge Rosa Santos

E o que vem por aí, quais são as novidades?

Em termos de Lés-a-Lés vamos apresentar duas novidades em vinhos. Vai aparecer algo no meio do ano no Algarve, um projeto literalmente Lés-a-Lés, do Algarve ao Douro. Vamos apresentar uma novidade, e este ano encontramos uma vinha em Trás-os-Montes e vamos vinificar pela primeira vez.  No final do ano, vamos finalmente apresentar nas Colinas do Douro nosso primeiro espumante Rosé, da Touriga Nacional mais alta que temos. É um espumante que já está em estágio há mais de três anos e vai surpreender. É um Douro Superior diferente, baseado na altitude, frescor e no granito que temos. O espumante vai ao mercado ainda este ano, antes do Natal. O Lés-a-Lés é para o próximo ano e Trás-os-Montes, talvez, para 2021.

Bom, vamos esperar para provar as novidades!


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