Imagine que você desce alguns degraus e chega ao cenário de A Família Adams. Ou mesmo aos recantos mais escondidos do castelo de Hogwarts, a escola de formação de bruxos da saga Harry Potter. Foi assim mesmo que nos sentimos quando entramos nas caves da Caves do Solar de São Domingos, um dos maiores e mais icônicos produtores da região da Bairrada.
Na Caves do Solar de São Domingos, pudemos conhecer curiosidades sobre os processos de produção e sua história, que começa na aldeia de Ferreiros. Foi lá que Dom Sancho I, filho do fundador de Portugal, D. Afonso Henriques, fez um dos primeiros forais devido à qualidade da terra, em 1210. Para quem não sabe, foral era um documento da época da monarquia portuguesa, que estabelecia um Concelho de administração regulada, com deveres e direitos. É, aliás, da palavra “foral” que se deriva a palavra em língua portuguesa “foro”.
A Caves do Solar de São Domingos é, logicamente, um pouquinho mais nova. Foi fundada em 1937, mas ainda reside na aldeia de Ferreiros, pertencente à região de Anadia. Seu fundador, Elpídio Martins Semedo, dedicava-se ao comércio familiar relacionado aos tonéis e à madeira, mas nutria uma paixão pelo vinho que acabou por lhe abrir as portas para criar as Caves do Solar de São Domingos. O nome traz o santo padroeiro da terra em que se construiu e o primeiro enólogo foi Mário Pato, que deixou um legado importante na empresa pelo seu rigor na escolha dos vinhos e aguardentes que fizeram crescer a marca São Domingos até aos dias de hoje.
A importância da década de 80 na história das Caves
A Caves do Solar de São Domingos trabalhava, inicialmente, com quatro tipos de segmentos de produtos: aguardentes, vinhos, espumantes e licores. Na década de 80, no entanto, os licores deixaram de ser produzidos para elevar os investimentos nas aguardentes. A manobra foi bem recebida, uma vez que este produto, àquela altura, liderava o mercado, chegando a vender um milhão de garrafas. Hoje em dia, no entanto, há algumas dificuldades acerca deste mercado, em razão da mudança dos hábitos de consumo.
Aliás, a década de 80 foi bastante marcante às Caves do Solar de São Domingos. Em 1984, em razão de um raio que caiu na destilaria, cujas estruturas eram em madeira, ocorreu um incêndio que destruiu boa parte da sede. A situação se agravou por ter ocorrido em dezembro, logo após as vindimas, quando o local estava repleto de álcool.
Com as estruturas fragilizadas, a produção de vinhos foi colocada em suspenso por cerca de uma década e meia, deixando a adega e os lagares de lado. No entanto, na década de 2000 foi constatado que essa decisão não era mais interessante e a Caves São Domingos voltou a fazer investimentos na produção vinícola. Foi construída uma nova adega e os primeiros resultados desta decisão já puderam ser vistos logo em 2004, entre eles algumas medalhas de ouro.
Por dentro das Caves: histórias e saberes
Podemos afirmar que descer às caves foi uma experiência única. A medida que seguíamos cada vez mais abaixo do nível do solo, íamos sentindo uma queda considerável na temperatura, portanto, se você quiser fazer este passeio de enoturismo, aconselhamos que vá preparado.
As Caves ficam cerca de 25 metros abaixo do nível da terra, mas mesmo as galerias que não são tão frias contam com climatização para o aproveitamento máximo das produções. Sérgio Costa, diretor comercial da Caves São Domingos e nosso guia nessa visita, fez questão de pontuar que a empresa tem como política a preservação do meio ambiente e se preocupa em seguir seus processos da forma mais ecológica possível.
A preocupação com a temperatura das caves tem fundamento. As vinhas ficam longe e as uvas levam um certo tempo para chegar ao local de produção. Quando chegam da vinha, as uvas estão aquecidas por estarem expostas à luz solar e isso altera seu pH. Além da temperatura no processo de fermentação ser decisiva para a produção de um vinho de qualidade, o pH alterado pode trazer diferenças consideráveis no produto final. Portanto, é preciso corrigi-lo. Por conta disso, e para garantir o compromisso de qualidade em seus produtos, uma das etapas do processo de produção é promover um choque térmico nas uvas recém-chegadas das vinhas, para seu resfriamento e, em consequência, sua potencialização de trabalho.
As galerias mais antigas foram cavadas diretamente nas rochas, que têm uma coloração avermelhada e deram, assim, origem ao nome de caves vermelhas. A escavação começou em 1984 e durou quase quatro anos. Durante a visita, ficamos sabendo de uma história muito divertida sobre a altura das caves. O responsável pela escavação, ao indagar qual deveria ser a altura das estruturas, foi orientado a seguir a altura de um homem – e assim o fez. Ocorre que ele não era muito alto, o que resultou em caves de teto baixo e no constante aviso para tomarmos cuidado para não bater a cabeça.
Os vinhos e espumantes das Caves São Domingos
Apesar de ter retomado a produção de vinhos apenas recentemente, as Caves São Domingos têm 100 hectares de vinhas. Os vinhos são o resultado de anos de trabalho com algumas das castas cultivadas nas vinhas próprias e algumas oriundas de produtores parceiros. A vinícola faz questão de pontuar que demanda de seus fornecedores uma conduta similar àquela seguida internamente, garantindo seus padrões de qualidade e compromissos ambientais.
Dentre as castas utilizadas, encontram-se as mais clássicas e conhecidas. As uvas tintas variam entre a Baga, Tinta Roriz, Cabernet e Merlot e as brancas, por sua vez, passam pela Bical, Maria-Gomes, Arinto e Cercial.
Além da história e do ambiente, a quantidade de espumantes produzidos também impressiona: são 5 milhões de litros anualmente. Nas galerias, são conservadas cerca de 2 milhões de garrafas — todas com estágio mínimo de 24 meses. A casa produz 11 tipos de espumantes brutos, o que faz das Caves São Domingos a terceira marca que mais vende espumantes em Portugal. Com a mesma filosofia aplicada a seus vinhos, a casa está comprometida em manter competitividade nos parâmetros de preço e qualidade também de seus espumantes.
Inclusive, foi premiada recentemente por um dos seus espumantes. O ‘Quinta de São Lourenço Espumante 2008’ arrecadou a Grande Medalha de Ouro no ‘Concurso de Espumantes e Vinhos Bairrada’.
Sem sombra de dúvidas, esta é uma das visitas mais únicas que o enoturismo oferece. O ambiente é bastante diferente de qualquer outra vinícola e as sensações foram de estar em uma cena de filme. É possível visitar as Caves do Solar de São Domingos a qualquer altura do ano, conforme disposto no site oficial da vinícola. Lembre-se de levar um casaco para descer às galerias!