Natural de Lisboa, Rita Cardoso Pinto é enóloga e responsável pela área comercial na Quinta do Pinto, em Alenquer. Já desde os finais do século XVII que a Quinta se dedica à produção de vinhos, mas foi somente em 2003 — por mero acaso ou ironia do destino — que a família Pinto decidiu criar seu projeto.
Seu pai sempre foi muito conhecedor de vinhos e do mundo da enologia. Já Rita, formada em Gestão de Empresas, nunca foi de beber e apreciar, aliás, apenas conhecia aquilo que o pai lhe ensinara. Depois de vários finais de semana ajudando na Quinta, decidiu que a enologia seria o ramo que queria seguir em sua vida profissional.
Foi, precisamente, na Quinta do Pinto que sua paixão pelo mundo do vinho surgiu e, desde então, Rita nunca ponderou trabalhar em outro local. Aliás, sua maior fonte de inspiração são todas as pessoas que, ao longo destes anos, a têm acompanhado neste projeto.
Hoje, conta-nos um pouco sobre sua história e todo o trabalho que é desenvolvido na Quinta do Pinto. Acompanhe a nossa entrevista e descubra mais sobre Rita Cardoso Pinto.
Como surgiu seu interesse pela enologia?
Foi mais por acaso do que uma opção consciente. Inicialmente formei-me em Gestão de Empresas na Universidade Católica Portuguesa, mas sempre fui ajudando no projeto dos meus pais, iniciado em 2003, durante os fins de semana e na altura da vindima. Porém, sempre foi algo mais recreativo do que propriamente com o objetivo de seguir este ramo. Às tantas, dei por mim encantada e imbuída por este setor. Fui ficando e, quando decidi que era este o caminho que queria seguir para o resto da minha vida profissional, regressei à universidade e matriculei-me no mestrado de viticultura e enologia no ISA, em Lisboa. Desde então, passado cerca de dez anos, encontro-me a trabalhar no projeto da Quinta do Pinto, onde ajudo um pouco na parte comercial e também na produção. Sendo que se trata de uma empresa familiar, acabamos por cooperar e tentar ajudar em tudo um pouco, desde a área financeira, entregas e outras tarefas necessárias. Na verdade, não tenho nenhum dia igual, é um trabalho muito vasto.
E onde fica seu projeto?
A Quinta do Pinto fica na Aldeia Galega da Merceana, em Alenquer. Pertence, portanto, à região de Lisboa. O meu percurso começou aqui e permaneceu, até aos dias de hoje, nesta Quinta. Nunca estagiei ou trabalhei em outro lugar.
Existe alguma casta que você gosta mais de trabalhar?
Essa é uma questão difícil de responder. Sendo portuguesa e uma grande apreciadora de vinhos portugueses, ainda mais complicado se torna. Não só pela sua diversidade, mas também pela sua capacidade de adaptação. Mas se tivesse de escolher uma, posso dizer que gosto muito da casta Arinto. Acho que é uma casta que tem muita presença, acidez e estrutura. Não só se revela muito interessante no lote, mas também quando é trabalhada sozinha apresenta muito potencial. Mas acho que é muito difícil, não posso dizer que tenho uma casta preferida ou que acho que seja melhor que todas as outras. Apenas aqui na Quinta temos cerca de 27 castas, por esse motivo não consigo dizer que gosto especificamente de uma.
Quais são as castas predominantes na Quinta do Pinto?
Aqui na Quinta do Pinto trabalhamos com uma forte componente de castas regionais e nacionais, mas também temos castas internacionais, maioritariamente francesas. Entre as várias castas brancas regionais e nacionais, temos Arinto, Fernão Pires, Antão Vaz, Encruzado e Alvarinho. Já nas castas francesas, temos uma forte influência de castas de Côte du Rhône, Sauvignon, Chardonnay e, mais recentemente, começamos a explorar a Chenin Blanc. No caso dos tintos, temos Castelão, Tinta Roriz, Tinta Miúda, Barroca, Alfrocheiro, que são as castas portuguesas. Relativamente às francesas, temos Petit Verdot, Merlot, Syrah e Cabernet.
Então o vosso foco não é somente o mercado português, é isso?
Exato, comercializamos não só para Portugal, mas também exportamos para outros países. É mais ou menos 50-50, sendo que exportamos para países da Europa, como é o caso da Bélgica e da Suíça, mas também para países um pouco mais distantes, como por exemplo os Estados Unidos e o Japão. Portanto, a nossa atividade acaba por ser muito dispersa. Já no caso do mercado nacional, os mercados que apresentam maior relevância para nós são a área da Grande Lisboa e, também, a zona do Algarve.
Em média, qual é a vossa produção anual?
Na verdade, ainda nos encontramos a cerca de um terço da nossa capacidade de engarrafamento. Nós temos cerca de 53 hectares, o que daria uma capacidade de engarrafamento de cerca de 500 mil garrafas. Contudo, atualmente, estamos a vender mais ou menos 130 mil garrafas por ano, por isso ainda temos um longo caminho a percorrer. Até uns anos atrás, vendíamos granel e uvas, mas optámos por deixar esse mercado e começamos somente a engarrafar. A maioria dos nossos vinhos — sobretudo os tintos — estão bastante tempo em estágio e, inclusive, também passam por estágio de garrafa antes de irem para o mercado. Por esse motivo, a nossa produção nunca equivale diretamente com o nosso volume de vendas.
Durante o processo de elaboração de um vinho, qual a decisão que você considera mais difícil de ser tomada?
Acho que durante todo o processo há sempre dois momentos críticos, sendo que o primeiro é escolher o dia da vindima e o momento certo da uva entrar. Outro momento que considero muito importante é a decisão do lote, quando decidimos se aquele é, de fato, o lote final. É uma das decisões mais desafiantes que temos de tomar. É nessa altura que nos perguntamos realmente se aquilo é o melhor que podemos fazer e se é aquilo que queremos apresentar ao consumidor. Na minha opinião, é um momento de seriedade e de muito respeito, pois trata-se da decisão final.
Na sua opinião, o que acha que pode estragar um vinho?
No processo de elaboração, diria a falta de controle das temperaturas e o fato das maturações não irem até ao fim. Aqui na Quinta nós fazemos fermentações espontâneas, sendo que possibilita que o vinho faça a sua fermentação de forma autónoma e quase sem a nossa interferência. Acho que esses são alguns dos fatores que podem fazer com que o vinho corra mal. No que diz respeito ao ato de consumo, penso que a harmonização e a temperatura certas são extremamente importantes. Para mim, beber um vinho tinto servido quente acho que é a morte do vinho. Enquanto que um branco que se pretende muito fresquinho, mas ao longo da refeição a temperatura pode ir aumentando e o vinho acaba por abrir e acompanhar naturalmente, no caso dos tintos isso não acontece. Depois, também a forma como guardamos o vinho, em pé ou deitado, dependendo daquilo que o vinho necessita, requer algum cuidado.
E qual o seu estilo de vinho? Que tipo de vinho você gosta mais de produzir?
Acho que tenho vindo a gostar mais de brancos e a Quinta do Pinto tem vindo a fazer um bom percurso nesse sentido. Temos uma amostra de brancos muito singular e abrangente. Diria que, provavelmente, devemos ser um dos produtores que apresenta maior diversidade de vinhos brancos no mercado. Além disso, temos uma qualidade que se estende a toda a gama, acabando por lhes conferir um certo destaque.
O que é bom vinho para você?
Para ser sincera, quando comecei a trabalhar nesta área eu nem gostava de vinho, muito menos sabia distinguir o que era um vinho bom de um vinho mau. Fiz, de fato, um grande percurso de aprendizagem neste projeto. Mas ainda há tempos estava a recordar um momento que passei em casa de uma amiga, muitos anos atrás, no qual provei um vinho que achei inacreditável e maravilhoso, mas que na verdade nem era um vinho tão excepcional assim. O meu pai sempre foi muito conhecedor da área e, inclusive, colecionador. Por esse motivo, decidi ligar-lhe a dizer que tinha provado esse tal vinho e que tinha adorado. Depois, quando estive com ele e conversamos sobre o assunto, acabei por perceber que a minha experiência tinha sido tão boa devido ao momento em que provei o tal vinho. Por isso, acho que realmente aquilo que faz um bom vinho é a ocasião, a comida, os momentos e a companhia. Claro que existem questões e características técnicas e orgânicas que fazem um vinho ser bom, mas aquilo que tecnicamente se traduz num bom vinho para mim, pode não ser para os outros. É por esse motivo que penso sempre na perspectiva do consumidor e digo que não há necessidade de voltar a um vinho que, por muito bom que seja tecnicamente, não o satisfaz e não lhe proporciona prazer.
Tem alguma sugestão de harmonização mais curiosa que já tenha experimentado?
Experimentei uma vez um branco com um bocadinho de barrica com uma sobremesa de ovos super intensa que achei que seria morte certa, mas acabou por correr muito bem. Outra vez, experimentei um dos nossos brancos com uma entrada cheia de presunto e acabou por correr igualmente bem. Foram duas situações que me ocorrem, especialmente pela doçura extrema do ovo e pelo salgado do presunto que não esperava que um vinho branco acompanhasse tão bem.
Se tivesse de produzir os seus vinhos fora de Portugal, que região você escolheria?
Iria, sem dúvida, para Côte du Rhone, na França, viver uma experiência ao sítio no qual o meu pai se inspirou. Mas também teria curiosidade em experimentar o completo oposto e ir talvez para a Nova Zelândia, Austrália ou, até mesmo os Estados Unidos, para ficar a conhecer um pouco mais sobre a realidade do Novo Mundo. Lá, é tudo tão diferente e muito mais moderno, enquanto que cá trabalhamos de forma muito mais tradicional. E eu acredito que há espaço para tudo, por isso gostava de aprender um pouco mais sobre essa vertente mais tecnológica de fazer vinho.
E qual sua opinião sobre os vinhos biológicos?
Atualmente, nós estamos em um momento de transição para uma agricultura biológica. Já abandonamos os herbicidas há um tempo e temos feito, cada vez mais, menor intervenção química na vinha. Não que o nosso objetivo seja simplesmente obter o selo de certificação biológica, que é algo que assume alguma relevância no mercado atual, mas sim por uma questão de consciencialização e de preservação do local onde pertenço e realizo o meu trabalho. Além disso, o nosso trabalho na adega é feito quase sem intervenção, deixamos que tudo aconteça da forma mais natural possível.
Tem alguma história curiosa sobre algum vinho que você já produziu?
A Quinta do Pinto produz vinhos desde o final século XVII e dizia-se que todos eles valiam mais um pinto, ou seja, mais um escudo, a moeda antiga de Portugal. Devido à sua qualidade, as pessoas estavam dispostas a pagar sempre mais um pinto por eles e, na altura que adquirimos a Quinta, sendo o nosso apelido Pinto, achamos que era uma feliz coincidência. Essa é uma das histórias que considero mais curiosas. Em relação aos vinhos, nós temos uma gama composta por Edições Limitadas que são vinhos que nunca sabemos se vamos voltar a produzir ou não. Houve um, em particular, feito por um antigo colaborador nosso, o João, que o meu pai sempre achava que não estava bom e não correspondia aquilo que pretendíamos para a Quinta. Então, acabava sempre por voltar atrás e ele ficava bastante triste porque achava que aquele vinho tinha potencial. Às tantas, disse-lhe que o ajudava visto que era um vinho em que ele acreditava tanto. Assim, nasceu o Quinta do Pinto Marsanne Roussane, um vinho criado a partir de uma casmurrice de um enólogo que acreditava no seu potencial. Tivemos, ainda, outros casos semelhantes, sendo que um deles até era um lote que não demos importância, até que um dos nossos clientes provou e disse que era demasiado bom para não ser engarrafado. Acabamos por ceder e foi um sucesso durante quatro anos. Na verdade, todos os nossos vinhos acabam por refletir um pouco da nossa história.
Qual a sua maior fonte de inspiração?
Acho que é a Casa, o rótulo e fazer vinhos que honrem a marca. Essa é a minha motivação, para além do imenso respeito que nutro por todas as pessoas que trabalham comigo neste projeto. Pretendo fazer vinhos que honrem o trabalho de todas as mulheres que trabalham na vinha e que, por vezes, é um pouco esquecido. Por isso, sem dúvida que a minha maior fonte de inspiração é honrar todas estas pessoas que trabalham sobre sol e chuva, dia e noite.
Como é ser mulher no mundo dos vinhos?
Hoje em dia são várias as mulheres que trabalham como enólogas ou conhecem e compram vinho. Não sinto discriminação, de todo. Talvez a área onde sinto mais discriminação é na área comercial, pois há mercados que desvalorizam as mulheres. Além disso, dizem que as mulheres têm um olfato mais apurado. Não sinto que seja esse o meu talento, mas considero que nós, mulheres, somos capazes de fazer muito mais coisas ao mesmo tempo. Mas não sinto que ser mulher seja uma diferença.
Qual o conselho que daria aos futuros profissionais da enologia?
Diria que devem percorrer o mundo. Muitas vezes os enólogos vão para fora fazer vindima e apresentam isso no currículo. Contudo, há muito mais trabalho a fazer do que a vindima. Por esse motivo, o meu conselho é que percorram o mundo, mas fiquem por um tempo para além da vindima. Há muito trabalho a ser feito e muita coisa para aprender. Outra recomendação que tenho é que devem provar muito vinho, mas não somente vinho português. Precisamos conhecer os vinhos lá de fora para podermos ter a noção em que patamar os nossos vinhos se enquadram. Acho importantíssimo provar vinhos do mundo inteiro, especialmente quando precisamos vender lá fora. O consumidor estrangeiro procura sempre uma comparação e, na maioria das vezes, não sabemos responder. Por esse motivo, acho muito importante descobrir e provar o que há fora de Portugal.
E quais são as novidades da Quinta do Pinto? O que vem por aí?
Temos uma colheita de 2019 de brancos, na qual conseguimos obter um equilíbrio fabuloso. Em termos de novidades sobre vinhos, vamos ter dois tintos que vão sair em breve no mercado e que vão dar muito que falar. Além disso, vamos fazer, também, uma reedição de um branco Reserva que já não fazíamos há alguns anos e acho que vai ser muito interessante.
LEIA OUTRAS ENTREVISTAS COM ENÓLOGOS:
- Rui Cruz
- António Sampaio
- Ricardo Pinto Nunes
- André Palma
- Gilberto Marques
- João Cabral Almeida
- Élio Barreiros
- Patrícia Carvalho
- Patrícia Santos
- Hugo Mendes
- Bruno Seabra
- Pedro Ribeiro
- António Maçanita
- Jorge Rosa Santos
- Rui Carrelo
Se você é enólogo e quer participar desta seção, escreva para a gente em contato@vivaovinho.pt. Teremos o maior prazer em contar sua história!