Entre terras espanholas, os vinhos de Jerez marcam a cultura do país e destacam-se pela sua história com cerca de 3 mil anos, remontando à época dos Fenícios. Repleto de singularidade e de identidade, este vinho é diretamente influenciado pelo seu terroir, condições ambientais e um método de produção muito particular, tornando-se um produto único em todo o mundo.
Nós provamos os vinhos de Jerez pela primeira vez em dezembro, em uma prova organizada pela Sara Peñas, do blog La Vida Ibérica. Sara é especializada em vinhos de Jerez e nos deu uma grande aula durante o evento. Podemos afirmar que Jerez é um micro-universo à parte no mundo dos vinhos porque, mesmo sendo resultado da fermentação de uvas, são totalmente diferentes de qualquer outro vinho que conhecemos.
Foi muito interessante participar desta aula sobre vinhos de Jerez, e vamos compartilhar com vocês o que aprendemos!
História de 3 mil anos
Com um percurso milenar, os vinhos de Jerez nascem através dos Fenícios que, chegando à Espanha, introduziram o cultivo das videiras no dia a dia dos espanhóis. Estas produções foram resistindo ao tempo, sendo aperfeiçoadas a cada século e receberam a contribuição de diversos povos que passaram pela Espanha.
Entre eles destacamos o Império Romano, que trouxe consigo Columela, o primeiro engenheiro agrônomo da história. Columela possuía uma fazenda na região da Andaluzia, ao sul da Espanha — onde mais tarde veio surgir a DOC Jerez – Sherry – Xérèz — e conferiu grande popularidade a este vinho. Por outro lado, o vinho de Jerez também sofreu grandes influências por parte da cultura islâmica.
Columela (Fonte: Wikipédia)
No decorrer de todos estes anos, há uma característica comum: o vinho de Jerez é um autêntico viajante. Sendo exportado desde a antiguidade, as suas movimentações intensificaram-se entre os séculos XV e XVII, quando se deu a expansão estrangeira, principalmente para a Inglaterra e para a América, o que o tornou parte de algumas das expedições mais notáveis da época, juntamente com o Vinho do Porto.
Mesmo com a crescente popularidade, os vinhos de Jerez viram o seu crescimento ameaçado por volta do século XVIII, quando o Grêmio dos Vinhateiros proibiu que os vinhos estagiassem, ou seja, envelhecessem. Com isso, estas produções perderem a sua qualidade, já que o seu maior segredo é o tempo. Só nos princípios do século XIX é que o envelhecimento voltou a ser permitido, elevando a qualidade dos vinhos de Jerez a um patamar nunca antes visto.
Ao longo da sua longa história, o vinho de Jerez passou por várias denominações e apenas em 1935 adotou a sua designação oficial devido à Lei da Vinha e do Vinho.
Diferentes nomes para a mesma origem
Por que só existe um vinho de Jerez?
Situada no território mais ao sul da Espanha, a região vinícola de Jerez estende-se ao longo de 7 mil hectares de vinha. Contudo, estas produções sofrem influências tão evidentes do meio que as rodeia que se tornam ímpares e se diferenciam de todas as restantes.
A primeira influência começa no próprio terroir: devido ao seu solo extremamente calcário, chega a ser comparado ao da Bairrada. Conhecida como albariza, esta terra de cor branca possui um baixo teor de matéria orgânica, o que lhe confere uma elevada capacidade de reter a umidade pela sua porosidade.
O solo absorve a umidade possível para distribuí-la ao longo de todo o ano pelas vinhas, de maneira que a raiz tenha umidade suficiente para suportar os climas muito quentes. Este é outro fator que confere identidade ao vinho de Jerez, uma vez que a região tem cerca de 300 dias de sol por ano, com verões que chegam a rondar os 40ºC. Também os ventos contribuem para a singularidade destas produções: são predominantes os ventos de leste (extremamente secos) e os de oeste (mais frios e com um certo grau de umidade).
Castas e Vinicultura
Apesar de partilhar parte da sua história junto do Vinho do Porto, ao contrário deste o Vinho de Jerez é feito unicamente a partir de castas brancas. Apenas três variedades estão autorizadas para serem utilizadas neste vinho: a Palomino, a Pedro Ximénez e a Moscatel.
Considerada a variedade de Jerez, a Palomino Fino é a casta mais típica destes vinhos e é utilizada na maioria das produções. Por outro lado, a Pedro Ximénez é uma subvariedade que, apesar de tradicional, é usada com menor frequência. Por fim, é mais comum encontrar a Moscatel nas zonas costeiras e, pelo seu alto teor de açúcar, é utilizada essencialmente para a produção de vinhos doces.
Em relação às vinhas, estima-se que existem entre 3.500 e 4 mil por hectare, o que se reflete em impactos positivos para a economia, já que exige mais de 40 postos de trabalho por ano.
Desta maneira, a natureza, a tradição e a modernidade são as palavras de ordem, aliando-se em perfeição na produção de um dos vinhos mais típicos e harmoniosos da Espanha: o vinho de Jerez.
A produção dos vinhos
Apesar de trabalharem essencialmente com três castas, os vinhos de Jerez conseguem apresentar uma grande variedade de tipologias e estilos. Esta diversidade é composta por três variantes essenciais: os vinhos fortificados (secos), os vinhos doces naturais (doces) e os licores fortificados (cabeceos).
A flor (Fonte: Wikipédia)
No seu processo de produção, os vinhos secos passam por diferentes sistemas de prensagem, mas há algo que se destaca em toda esta técnica: a flor. Este sistema resume-se a um véu de fermento natural e é a chave destes vinhos, protegendo-os da oxidação.
Por outro lado, os vinhos doces naturais são produzidos principalmente a partir da casta Pedro Ximénez e concentram ao máximo os açúcares destas uvas.
O envelhecimento
Como falamos anteriormente, o segredo dos vinhos de Jerez é o tempo, daí o seu envelhecimento ser fundamental para atingir a qualidade desejada. Por isso, o vinho estagia em barricas de carvalho chamadas de botas, que têm capacidade de 600 litros e são cheias somente até os 500 litros.
Este envelhecimento pode ser tanto biológico como oxidativo, que são distintos pela existência, ou não, da flor. Quando o vinho estagia biologicamente, é necessário cuidar do estado biológico da flor: a levedura precisa de bastante frescura e, por isso, as adegas deixam as janelas sempre abertas para poder correr ar, assim como o seu solo é argiloso e regado, de maneira a ter umidade. Por sua vez, o estado oxidativo deixa os vinhos respirarem e permite que exista evaporação, o que deixa estas produções com mais teor alcoólico, acidez, glicerina e cor, em comparação às biológicas.
Além disso, o sistema de envelhecimento segue a tradição do país, chamado de criadera e solera. Estes processos têm como principal objetivo misturar vinhos de diferentes estágios de envelhecimento, para que os seus sabores e aromas se conservem, independentemente do ano de colheita.
Sistema de Solera (Fonte: Wikipédia)
A diversidade de Jerez
As produções de Jerez apresentam inúmeras variedades que fazem a alegria de seus fãs. Por isso, dentro dos vinhos secos, doces e cabeceos, é possível distinguir vários estilos com características únicas.
Entre os secos destacam-se os Finos, vinhos que se caracterizam pelos aromas e por serem extremamente gastronômicos, harmonizando perfeitamente com tradicional presunto ibérico, azeitonas e camarões grelhados. O seu teor alcoólico encontra-se entre os 15% e os 17% e o seu envelhecimento dá-se sob um véu de flor. O Fino que provamos tinha aroma bem acentuado de frutos secos, como amêndoas e ficou perfeito com o presunto ibérico.
O Manzanilla também é um clássico dos vinhos secos e, muito claro, apresenta um paladar relativamente suave e com menos de uma grama de açúcar por litro. Bastante aromático, harmoniza bem com mariscos e camarões.
O Amontillado é um vinho que passa pelos dois tipos de envelhecimento — o biológico e o oxidativo. Provamos um com 17% de álcool, mas ele pode chegar até os 22%. É um dos raros vinhos que harmonizam bem com pratos avinagrados, como escabeche. Combina muito bem também com alcachofras, gaspacho e queijo parmesão.
Vinho de Jerez (Vídeo: Viva o Vinho)
O Oloroso é mais untuoso e bastante complexo no nariz, lembrando nozes. É um vinho mais fácil para começar nos secos, acompanhando bem pratos principais como carnes, rabo de boi e queijos como o manchego. Dentro desta família ainda temos o Corte de Palo, com notas lácticas muito características.
Já na família dos doces, o Moscatel e o Pedro Ximénez conquistam terreno. O primeiro, além de claramente doce, também possui um sabor longo e um teor alcoólico que pode chegar aos 22%, enquanto que o segundo se destaca inicialmente pelos seus aromas intensos e a sensação untuosa na boca. Provamos um Pedro Ximénez no evento e ele lembrou bastante frutas passificadas, como figo seco, e melado de cana — o que é normal, pois é um vinho que concentra muito açúcar.
Por fim, os cabeceos dividem-se em Pale Cream, Medium e Cream. Os Pale Cream passam por envelhecimento biológico e chamam imediatamente a atenção pelos seus aromas de frutos secos. Já o Medium passa por um envelhecimento oxidativo e a sua cor pode variar bastante. Por fim, o Cream também é alvo de um envelhecimento similar ao do Medium e, além da sua textura aveludada, possui aromas muito intensos. Esse último estava na prova e podemos dizer que está na zona de conforto para o paladar português, pois sua doçura se assemelha ao vinho do Porto.
Foi sem dúvida uma grande experiência participar dessa prova, que só nos enriqueceu ao conhecermos um pouquinho mais sobre os vinhos de Jerez. Se nunca provou um deles, vale experimentar. Afinal, a melhor forma de aprender sobre vinhos é provando, não é mesmo?