Os vinhos marroquinos
Da mesma forma como aconteceu em Portugal, a viticultura na região que hoje é o Marrocos teve início na época dos fenícios, e se consolidou com a ocupação romana. Entre os países do norte da África, o Marrocos tem o melhor potencial para a produção de vinhos de qualidade, por conta de suas altas montanhas e da influência do Atlântico.
Devemos lembrar que o Marrocos teve colonização francesa e, com ela, veio a experiência na produção de vinhos, além de mudas das variedades Carignan, Cinsault, Syrah, Grenache e Sauvignon Blanc — até hoje as castas mais plantadas no Marrocos. Muitas vezes é difícil sabermos o que estamos tomando porque, da mesma forma que na França, os rótulos dos vinhos marroquinos, em sua maioria, não trazem as castas descritas no rótulo.
A independência do país, em 1956, gerou uma crise no setor de vinhos que durou até a década de 1990, quando o rei Hassan II buscou investimentos estrangeiros (principalmente francês) para reavivar o setor.
O Marrocos hoje é o segundo maior produtor de vinhos do mundo árabe, atrás apenas da Argélia, com uma indústria que emprega mais de 20 mil pessoas. A maior produção está nas regiões de Fez e Casablanca, mas há uma AOC (Apelação de Origem Controlada) bem perto de Marraquexe, a Côteaux de l’Atlas 1er Cru, nas montanhas da cordilheira Atlas.
Apesar de ser um país essencialmente muçulmano, as leis do Marrocos não proíbem a produção de bebidas alcóolicas, somente a sua venda para clientes muçulmanos. O vinho pode ser comprado em restaurantes e supermercados, em especial aqueles voltados para os turistas.
Agora, vamos ao que prometemos neste post: os 7 vinhos marroquinos e restaurantes que precisa provar em Marraquexe.
Vinho da casa no Dar Yacout
Chegamos à Marraquexe no dia 9 de junho, meu aniversário, e o Emanuel reservou um jantar especial no Dar Yacout, restaurante que estava muito bem avaliado no Tripadvisor. E realmente foi uma noite memorável!
Para começar, fomos levados ao terraço para um drinque de boas-vindas, e de lá tínhamos uma bela vista da Medina de Marraquexe — a parte mais antiga, e murada, da cidade. O jantar foi em um pátio interno, à beira da piscina. O menu era fechado, com vinho da casa incluído, por isso decidimos ficar com ele. Vale destacar a garrafa decorada, que era maravilhosa.
O vinho era frutado e aromático, com boa estrutura e vocação gastronômica. Considerando a sequência de pratos que seria servida, foi uma boa escolha.
E nós não tínhamos como imaginar o que vinha pela frente. Um verdadeiro banquete.
O desfile de pratos começou com uma salada marroquina, que na verdade são vários pratos de legumes em pasta ou cozidos, semelhantes aos mezzes da cultura árabe, todos com temperos de especiarias. Amamos os pequenos pasteis parecidos com samosas — por lá chamados briouats — com recheios de carne, frango, queijo e legumes.
Em seguida, recebemos a tagine de frango com limão e azeitonas, um prato tradicionalíssimo em Marraquexe (comemos em vários restaurantes diferentes). Detalhe: veio um frango inteiro para nós dois! Na sequência, a tagine de cordeiro com ervilhas, acompanhada pelo cuzcuz com legumes.
Na hora da sobremesa, uma surpresa: cantando parabéns, trouxeram uma pastilla enorme — é um doce feito de massa folhada e um creme super leve, com um toque de água de flor de laranjeira. Quando pensamos que tinha acabado, ainda chegou o tradicional chá de menta, acompanhado por uma torre de petit fours.
Foi tudo maravilhoso, uma experiência inesquecível!
S de Siroua e Dar Essalam
No nosso segundo dia em Marraquexe, fomos a um restaurante muito tradicional, o Dar Essalam, onde Alfred Hitchcock filmou algumas cenas do seu longa O Homem que Sabia Demais em 1956.
O restaurante tem várias salas, cada uma mais linda do que a outra, com pisos, paredes e tetos ricamente decorados. O nosso prato foi novamente a tagine de frango com limão e azeitonas e, para acompanhar a refeição, escolhemos um Chardonnay, o S de Siroua 2018.
O vinho tem um toque dourado na taça, com aromas ligeiros de frutas brancas e mel, que não chamam muito a atenção. Na prova temos um resultado muito diferente: o vinho enche a boca, com boa estrutura, e apresenta o paladar típico de um Chardonnay gastronômico e elegante. Boa escolha.
Médaillon Sauvignon Blanc e Le Marrakchi
No terceiro dia em Marraquexe andamos por várias horas descobrindo as ruelas da Medina, repleta de vendedores com as mais diversas mercadorias: especiarias, tapetes, cerâmicas, roupas típicas, objetos decorativos, e muito mais. O calor de 40°C, aliado ao clima seco de Marraquexe, pedia novamente um vinho branco fresco.
Escolhemos aleatoriamente um dos restaurantes com vista para a famosa praça Jemaa el-Fna, o Le Marrakchi, e fomos muito bem atendidos. O prato principal foi uma tagine de cordeiro, que normalmente acompanharíamos com um tinto, mas estava calor demais e por isso escolhemos acompanhá-la por um delicioso Sauvignon Blanc, o Médaillon. A escolha se revelou acertada, pois as especiarias do tempero harmonizaram muito bem com um vinho mais fresco. Brilhante, muito aromático, com toques cítricos e de maçã verde. Na boca é um vinho fresco e elegante, muito bem feito e harmonioso. Uma excelente surpresa!
Domaine de Sahari Reserve e Comptoir Darna
Por uma daquelas coincidências difíceis de explicar, encontramos um casal de amigos brasileiros que vivem em Londres passeando por Marraquexe também, o Urânio e a Julieda, e no sábado à noite fomos a um dos restaurantes mais badalados de Marraquexe: o Comptoir Darna. Nosso objetivo era assistir a um show de dança do ventre, mas infelizmente não conseguimos reserva para a hora do show.
Como estávamos em quatro pessoas, pudemos provar as versões tinta e branca do vinho Domaine de Sahari Réserve.
O tinto é um vinho com cor clara, aromas de frutas vermelhas e um fundo de especiarias, com presença da barrica muito integrada. Na boca ele se apresentou com um toque gastronômico, mas igualmente leve e equilibrado. Muito bom para os pratos escolhidos.
Já o branco era fresco e fácil de beber, o que não deve ser confundido com um vinho simples. Tinha boa estrutura e presença na boca, e uma acidez interessante de um bom vinho para acompanhar comida. No final acabamos por beber duas garrafas dele.
La Cuvée du Terroir e Jantar no Deserto
No domingo, Dia dos Namorados, quisemos ter uma experiência diferente: um jantar em uma tenda no deserto. Fomos ao deserto de Agafay, que é mais próximo de Marraquexe — o Sahara fica a mais de 600 quilômetros! Para o Agafay, o trajeto tem cerca de uma hora, sendo parte com uma van e parte com um 4×4.
O especial, aqui, era contemplar o pôr do sol no deserto e ver as estrelas — não tivemos muita sorte porque a noite estava muito nublada. Mas a experiência valeu a pena de qualquer forma: pudemos experimentar o silêncio do deserto, observar a Lua como um ponto brilhante ofuscado por uma mistura de nuvens e poeira que está constantemente flutuando. Ao longe viam-se raios e trovões de chuvas que estavam caindo na Cordilheira do Atlas.
Todo esse cenário, toda essa paz, em um acampamento onde havia pessoas dos Estados Unidos, Bélgica, Alemanha, França e Marrocos, além de nós, brasileiros moradores de Portugal, criava uma panela cultural e de línguas das mais interessantes.
Mais tarde as nuvens deram uma trégua e a Lua apareceu brilhante no céu, iluminando o deserto. Foi um momento único, daqueles que você não esquece mais.
Perle Blanche de Mogador e Il Mare
Na segunda-feira fizemos um passeio de dia inteiro até a cidade de Essaouira, no litoral do Marrocos. A viagem é cansativa, com três horas de ida e mais três de volta de van, mas o lugar é muito bonito. No caminho, passamos por uma cooperativa que produz óleo de argan e pelas famosas cabras que sobem em árvores — uma das fotos mais virais da internet!
Essaouira foi fundada pelos franceses e tem a arquitetura um pouco diferente: a sua medina, por exemplo, foi projetada por um arquiteto francês e tem uma rua principal, uma paralela e outras perpendiculares, sendo muito mais fácil nos localizarmos do que na medina de Marraquexe. A cidade também serviu de cenário para a série Game of Thrones, da Netflix.
Nosso almoço foi no restaurante Il Mare, em um terraço com vista para o mar. Aqui variamos os sabores, pedindo, claro, frutos do mar acompanhados por mais um vinho branco marroquino, o Perle Blanche de Mogador, produzido ali mesmo na região.
É um belo vinho, claro na taça, com aromas em que predominam frutas cítricas, particularmente abacaxi e um fundo herbáceo. Na boca é fresco, untuoso, com boa estrutura e acidez equilibrada. Traz um toque de salinidade interessante, talvez por conta da região. Excelente companhia para o nosso almoço.
Eclipse e Dar Zellij
Em nosso último jantar em Marraquexe, escolhemos um outro restaurante tradicional: o Dar Zellij, que fica em uma das ruas estreitas da medina. Para chegar até lá, foi marcado um ponto de encontro e um funcionário do restaurante veio nos buscar — e depois nos trouxe de volta, porque é impossível achar o caminho sozinho.
Para acompanhar a refeição, escolhemos o vinho branco Eclipse. Belo e aromático, possui notas florais e cítricas, tem boa estrutura e acidez muito equilibrada. Na boca é ao mesmo tempo fresco e estruturado, por isso acompanhou bem o cordeiro de sabor adocicado. Perfeito para o calor de Marraquexe.
Também notamos a preocupação com temas como sustentabilidade e alterações climáticas — estão instalando placas solares por todo o lado (até mesmo na principal mesquita da cidade, a Koutoubia) e usam a água das cachoeiras e do degelo do Atlas para irrigação.
E, acima de tudo, encontramos um povo extremamente simpático, sempre disposto a ajudar, seja em que idioma for. Portanto, se você nunca visitou Marraquexe, coloque esse destino na sua lista de férias — vale muito a pena!
