Vamos falar aqui das mais importantes, levando em conta uma das principais características: o lado do rio Gironde em que a região se encontra. Isso influencia tudo: o solo, o tipo de uva, o estilo de vinificação, a classificação dos vinhos. À direita do rio, predomina a Merlot; à esquerda, a Cabernet Sauvignon; já Entre-Deux-Mers (“entre dois mares”, em francês) é conhecida por seus brancos.
Sempre que falar em Bordeaux, você vai ouvir falar também de margem esquerda e margem direita. Hoje nosso foco são as regiões da margem esquerda.
Nessa margem está o Médoc, que se divide em Haut-Médoc (ao sul) e Bas-Médoc (porção norte, normalmente chamada somente de Médoc). Haut-Médoc, por sua vez, tem várias sub-regiões, incluindo Saint-Éstèphe, Pauillac, Saint-Julien e Margaux. Na mesma margem fica Graves e suas sub-regiões, como Pessac-Léognan e Sauternes (que engloba Barsac), entre outras.
Nessas áreas predominam os solos arenosos misturados a cascalho graúdo ou pequenos pedregulhos – chamados “graves”. Os graves ajudam a refletir o calor do ambiente para o vinhedo, elevando as temperaturas e favorecendo o amadurecimento da fruta, base ideal para cepas como a Cabernet Sauvignon.
Como regra geral, na margem esquerda os tintos de melhor qualidade são produzidos em Haut-Médoc e Pessac-Léognan, justamente onde os vinhedos são dominados por Cabernet Sauvignon. Eles são estruturados, com taninos firmes e boa acidez, além de terem uma base concentrada de groselha, com notas de carvalho. Esses rótulos têm ótima capacidade de envelhecimento, podendo evoluir por décadas, quando normalmente desenvolvem aromas de cedro e caixa de charuto.
Médoc
No dialeto local, Médoc significa “terra do meio”, por estar situada entre o oceano Atlântico e o estuário do rio Gironde. É uma faixa de terra que se estende por 50 quilômetros do norte da cidade de Bordeaux até quase a foz do rio, espremida pela floresta de Landes ao sul e pelas áreas pantanosas da costa.
O Bas-Médoc não desfruta das vantagens de seu vizinho mais famoso, a começar pelo solo. Aqui, a camada de cascalho não é tão grossa e o solo argiloso, mais pesado, não consegue drenar com tanta eficiência a água, numa área que pela proximidade do mar já é mais úmida que o restante de Bordeaux. Plana e cortada por muitos canais resultantes da drenagem dos pântanos, a região concentra sua produção de vinhos nas áreas com mais cascalho e de altitude menos baixa.
Devido ao clima e ao solo, a Merlot aparece aqui com mais frequência que a Cabernet, por se adaptar melhor ao solo argiloso e amadurecer mais rapidamente. Não há nenhum Cru Classé no Bas-Médoc, mas muitos Crus Bourgeois da região possuem boa relação custo benefício em se tratando de Bordeaux. Entre os châteaux de destaque estão La Tour de By, Potensac, La Cardonne, Tour Haut-Cassan, La Gorre, Vieux Robin e Landon.
Já o Haut-Médoc é a região das grandes estrelas de Bordeaux. Lá estão as importantes sub-regiões de Saint-Éstèphe, Pauillac, Saint-Julien e Margaux, prestigiadas por terem o que muitos consideram o melhor terroir de Bordeaux. Não à toa, estão em peso na lista dos primeiros classificados de 1885.
Além dos 60 Crus Classés e quatro dos cinco Premiers Crus Classés, em Haut-Médoc há mais de 150 Crus Bourgeois de diversos níveis, alguns dos quais comparáveis a Crus Classés de alta patente a um preço mais acessível. A grande maioria dos Classés se encaixam em appélations comunais: apenas 5 dos 60 estão em áreas cuja denominação no rótulo é a genérica Haut-Médoc.
Quanto mais a sudeste e, portanto, mais interior a região, menos úmido é o clima e é maior a concentração de graves (cascalhos) na composição do solo. A camada de cascalho, além de drenar bem o solo, conserva o calor do sol por mais tempo, aquecendo as raízes e incentivando-as a ir mais fundo em busca de água.
Saint-Estèphe
A primeira comuna de fora para dentro na região do Haut-Médoc guarda alguma semelhança com o vizinho e menos reputado Bas-Médoc. O solo ainda possui argila misturada aos graves, e o resultado são vinhos mais ácidos e robustos do que elegantes, que nas safras mais secas costumam resistir melhor que os das demais áreas do Médoc. Os vinhos de Saint-Éstephe podem levar até 20 anos em boas safras para amadurecerem.
Os melhores vinhos e os Grand Crus Classés se concentram na região ao sul, fronteiriça à Pauillac. Os principais nomes incluem Cos d´Estournel, com uma proporção de Merlot pouco usual na região, que torna o vinho bastante suculento; e Château Montrose, à beira do Gironde, com estilo mais próximo ao dos vinhos de Pauillac. O Château Calon-Ségur, o Cru Classé mais setentrional, nos arredores da vila de Saint-Estèphe, tem um estilo que fica entre os dois citados, podendo ser ótimo nas melhores safras.
A região produz também ótimos Crus Bourgeois, em especial a sul e sudoeste da vila de Saint-Estèphe. Os Châteaux Haut-Marbuzet, Meyney, de Pez, Phélan Ségur, Les Ormes de Pez, Beau-Site e Lilian Ladouys são os principais nomes desta área. Nas outras, podem ser citados os Châteaux Cissac, Bel Orme Tronquoy de Lalande e Le Bourdieu, dentre outros.
Pauillac
Logo abaixo de Saint-Éstèphe está Pauillac, a comuna de maior expressão do Médoc. Três dos Premier Grand Cru Classés de 1855 são produzidos na região: Châteaux Lafite, Latour e Mouton-Rothschild. As áreas de vinhedos concentram-se nos solos pedregosos próximos às margens do Gironde.
Complexos, vigorosos e concentrados, com notas de cassis, cedro e caixa de charuto, expressão máxima da Cabernet Sauvignon, os vinhos de Pauillac atingem preços estratosféricos, estando alguns deuxièmes crus e até inferiores no mesmo patamar de qualidade que seus superiores na classificação de 1855.
A cidade de Pauillac é a maior do Médoc e concentra atividade industrial e portuária. Na faixa que margeia o Gironde e o canal de Gaer, que divide a comuna ao meio, o solo é inapropriado para as vinhas. Depois desta pequena faixa, uma linha contínua de vinhedos toma uma área com seis quilômetros de extensão e três de largura.
Na metade norte da comuna, as grandes estrelas são as propriedades da família Rothschild: os Premiers Crus Classés Châteaux Lafite e Mouton-Rothschild. O Lafite, elegante e macio, é produzido em uma das mais extensas propriedades da região. Já o Mouton, o único a ser agraciado com uma “promoção” desde que a classificação de 1855 foi feita, é denso e encorpado, reflexo de uma maior concentração de Cabernet Sauvignon no seu corte.
Já no sul, o sólido e muito longevo Premier Cru Classé Château Latour divide os holofotes com dois importantes deuxièmes que, originalmente, eram da mesma família: os Châteaux Pichon-Longueville e Pichon Longueville Comtesse de Lalande. Nas últimas décadas, os dois lados travaram uma batalha de prestígio no mundo dos vinhos, com muito investimento em tecnologia na plantação e na vinificação, além de estrutura turística. Bom para os amantes de Bordeaux, que ganharam dois vinhos de altíssima qualidade.
Nos outros degraus de classificação, um dos grandes destaques é o Château Lynch-Bages, um cinquième Cru Classé que nas últimas décadas evoluiu muito sob a batuta de Jean-Michel Cazes. Os Châteaux Duhart-Milon e d´Armailhac, de propriedade de Lafite e Mouton respectivamente, oferecem vinhos de grande qualidade. Outros cinquièmes de destaque são os Châteux Batailley, Haut-Batailley, Grand-Puy Ducasse, Grand-Puy Lacoste e Haut-Bages Libéral, alguns com ótima relação qualidade preço.
Saint-Julien
Embora não possua nenhum Premier Cru, a minúscula comuna de Saint-Julien concentra uma grande quantidade de vinhos Classés. Situa-se imediatamente ao sul de Pauillac, bem no coração do Haut-Médoc, e produz também vinhos de alta qualidade mesclando as características de Pauillac (vigor) com as de Margaux (fineza e elegância). Onze de seus vinhos constam da classificação de 1855, além de produzir diversos Crus Bourgeois.
A produção de Saint-Julien é bastante consistente, seus vinhos são finos, longevos, de cor intensa e muito persistentes. Precisos e refinados, corretos, é o Bordeaux perfeito para os amantes da região que procuram vinhos a preços um pouco mais acessíveis.
Os Crus Classés que merecem destaque são Château Beychevelle, Château Branaire-Ducru, Château Ducru-Beaucaillou, Château Gruaud-Larose, Château Lagrange, Château Langoa-Barton, Château Léoville-Barton, Château Léoville-Las-Cases, Château Léoville-Poyferré, Château Talbot. Outros Châteaux importantes são Château Gloria e Château Lalande-Borie.
Margaux
Rivaliza com Pauillac como sendo a região de maior prestígio do Médoc. Em seus 1.300 hectares de vinhedos, onde a uva Cabernet Sauvignon predomina, são produzidos vinhos espetaculares. Com um dos solos mais favoráveis do Médoc, de lá saem os melhores vinhos das melhores safras, conhecidos pela elegância e refinamento. O mais famoso é o Château Margaux, que é uma verdadeira lenda.
Os vinhos de Margaux apresentam profunda coloração vermelho rubi, grande estrutura e concentração, com aromas intensos e textura aveludada. Os solos são um mix de argila, calcário, giz, areia e graves. O lendário Premier Cru Classé Château Margaux é a propriedade emblemática da denominação, mas existem ao menos outras 20 propriedades bem conceituadas.
Outros Crus Classés que merecem ser citados são Château Brane-Cantenac, Château Cantenac-Brown, Château Dauzac, Château Giscours, Château d’Issan, Château Kirwan, Château Malescot-St-Exupéry, Château Palmer, Château Prieuré-Lichine e Château Rauzan-Ségla. Outros Châteaux importantes são Clos des Quatre Vents, Château Marojallia e Château Siran.
Graves
Ainda na margem esquerda está a região de Graves, o lar dos vinhos mais em conta de Bordeaux. O solo característico é uma mistura entre cascalho e quartzo, que compõe os melhores châteaux de Graves. O próprio nome da região deriva da palavra francesa “gravier”, que significa cascalho. Graves AOC estende-se por aproximadamente 3 mil hectares, enquanto a denominação Graves Supérieur ocupa apenas 400 hectares, com plantas de menor rendimento e discreto teor alcoólico.
Graves é a única região de Bordeaux conhecida tanto por seus vinhos tintos, quanto por seus brancos. Nos tintos, em geral, a Cabernet Sauvignon e a Merlot entram em proporção similar nos blends, que ainda levam Petit Verdot e Cabernet Franc. Uma característica marcante dos vinhos de Graves são as notas defumadas. Nos vinhos brancos, a maioria resulta do corte de Sémillon e Sauvignon Blanc.
Algumas das mais antigas vinícolas de Graves já exportavam para a Inglaterra antes mesmo do século XII. No século XVI, alguns châteaux já eram conhecidos e tinham boa reputação, como é o caso do Château Haut-Brion, um dos mais tradicionais da região. Tão grande era a fama da propriedade que é a única representante de Graves na lista de 1885.
Pessac-Leógnan
Alguns daqueles considerados os melhores vinhos de Graves agora pertencem a uma importante denominação que a região congrega, Pessac-Leógnan.
A região destacou-se oficialmente de Graves em 1987. Em suas comunas produzem-se excelentes brancos e tintos. Na verdade, os melhores vinhedos Cru Classé ao sul da cidade de Bordeaux estão em Pessac-Léognan. O solo é ótimo para a Cabernet Sauvignon, entretanto os vinhos dessa AOC costumam ser mais leves em corpo e mais aromáticos do que os tintos mais finos de Haut-Médoc, além de amadurecerem mais rápido.
Sauternes e Barsac
Ao sul de Graves, ainda ao longo das margens do Gironde, estão situadas as comunas mais doces de Bordeaux. Sauternes e Barsac são grandes produtoras de vinhos de sobremesa. Mais do que simplesmente doces, com notas de mel e damasco, seus vinhos equilibram como nenhum outro acidez e álcool. Além de Sémillon, cepa que reina na região, alguns vinhos também contêm Sauvignon Blanc, ambas atingidas com a dita “podridão nobre”.
Se a umidade elevada, por um lado, é uma preocupação, no caso de Sauternes é um fator positivo. Graças a isso, sobretudo aos orvalhos matinais que evaporam durante o dia, as uvas brancas cultivadas na região são atacadas pelo fungo Botrytis cinerea, resultando na desidratação dessas uvas, usadas na produção de um dos vinhos doces mais valorizados do mundo. O corte clássico é composto de Sémillon, Sauvignon Blanc (cuja função é contribuir com sua boa acidez, balanceando a falta de intensidade da Sémillon) e Muscadelle (que contribui com seu floral pronunciado).
O clima é um fator tão determinante para que as uvas sejam naturalmente atingidas pelo fungo, que os melhores châteaux se recusam a vinificá-las nos anos em que umidade e calor não foram ideais. Para se ter uma ideia, um dos mais renomados, o Château d’Yquem, não chega a produzir uma garrafa sequer ao menos duas vezes numa década. Preferem lidar com os prejuízos de um ano sem produção a abaixar o padrão de qualidade de seus vinhos.
Além de Sauternes, também Barsac produz ricos vinhos doces, geralmente mais licorosos que os de Sauternes. Os aromas são de frutas e flores, com toques de especiarias, sendo bastante longevos.
Entre os principais Premier Crus de Sauternes e Barsac estão Château Climens, Château Barsac, Château Guiraud, Château Lafaurie-Peyraguey, Château Rieussec e Château Suduiraut. Outros produtores de destaque: Château de Malle, Château Nairac, Château de Fargues, Château Gillete e Château Raymond-Lafon.
Bom, chegamos ao fim de nossa excursão pela margem esquerda de Bordeaux. Espero não ter tornado o texto pesado ao falar de tantos châteaux. O objetivo é contribuir para que reconheçam um bom vinho de Bordeaux quando forem comprá-los. Para terminar a nossa viagem, no próximo post da série vamos abordar a margem direita, onde ficam as regiões de Saint-Émilion e Pomerol. Até lá!