Foi com essa vista fantástica, fazendo um piquenique regado a bons vinhos, que finalizamos nossos quatro dias de visita à região do Douro, de 24 a 27 de maio. Uma programação intensa, com dois eventos — Douro TGV, em Vila Real, e 7º Festival do Vinho do Douro Superior, em Vila Nova de Foz Côa — nos levaram a conhecer o que há de melhor no norte de Portugal: seus vinhos, azeites, a gastronomia e a hospitalidade de um povo que nos recebe de braços abertos em todos os lugares onde pisamos.
Vila Real é a principal capital de distrito de Trás-os-Montes. Uma cidade que vive em função do vinho e outros produtos agrícolas, como azeites e amêndoas. Lá fica a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), que tem o mais tradicional curso de Enologia de Portugal. O Douro TGV — Turismo, Gastronomia e Vinho foi organizado pelo Regia Douro Park — Parque de Ciência e Tecnologia de Vila Real.
Já o 7º Festival de Vinhos do Douro Superior foi promovido pela Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa, com produção da revista Grandes Escolhas. Além de vinhos, é uma mostra de produtos alimentares dos concelhos de Vila Nova de Foz Côa, Carrazeda de Ansiães, Figueira de Castelo Rodrigo, Freixo de Espada à Cinta, Mêda, São João da Pesqueira, Torre de Moncorvo e Vila Flor.
Há muito o que se falar desses quatro dias. Nesse primeiro post vamos contar como foi a nossa experiência no Douro TGV. O segundo evento, em Foz Côa, ficará para o próximo post.
A caminho de Vila Real
Nossa maratona de vinhos começou na quinta-feira, dia 24, logo pela manhã. Saímos de casa com as malas e pegamos uma van até o aeroporto de Tires, perto de Cascais. Aeroporto é modo de dizer… é mais um aeroclube e nós nunca tínhamos entrado em um avião tão pequeno. O voo foi tranquilo, apesar da chuva. Aliás, o dia nublado foi uma pena, pois como o avião voa baixo, a vista teria sido magnífica em um dia ensolarado.
Chegamos à Vila Real pela hora do almoço. Deixamos as malas no hotel Miracorgo e fomos logo encontrar com o grupo no restaurante. Nas entradas, uma iguaria típica: o covilhete de Vila Real, um bolinho de massa folhada recheado de carne Maronesa DOP picada (uma carne de novilho somente encontrada naquela região).
Depois do almoço, começou o debate. Esse era o segundo dia do evento Douro TGV (Turismo, Gastronomia e Vinho), dedicado à Gastronomia, mais especificamente, ao azeite. A região do Douro é uma grande produtora de azeite de excelente qualidade.
Avião em que voamos para Vila Real
Francisco Pavão, Patricia Galasini e Edgardo Pacheco debateram o azeite no Douro TGV
O debate foi conduzido por três grandes conhecedores de azeites: Francisco Pavão, da Associação de Olivicultores de Trás-os-Montes e Alto Douro, produtor e especialista; Patrícia Galasini, provadora profissional de azeites, membro da Confraria do Azeite, docente e assessora nesta área, responsável pelos eventos brasileiros ‘ExpoAzeite’ e ‘Encontro Internacional de Olivicultura’, e autora dos livros “Pizzas do Mundo” (2014) e “Introdução ao Mundo do Azeite” (2010); e Edgardo Pacheco, jornalista, crítico de vinhos e gastronomia, grande conhecedor de azeites, autor do Guia “Os 100 Melhores Azeites de Portugal” e recentemente premiado neste âmbito pela revista Grandes Escolhas.
Como de azeites não entendemos muito, o debate foi muito instrutivo. Para mim, por exemplo, derrubou o mito de que não se pode fritar com azeite: ao contrário, é o tipo de gordura mais resistente ao calor — e mais saudável também, pois é simplesmente o suco da azeitona. Outro aprendizado foi saber que a “picância” que sentimos na garganta ao provar um azeite demonstra a sua pureza — se não sentimos nada disso, provavelmente é uma mistura. E mais: o azeite tem pouca durabilidade em prateleira. A luz e o calor alteram sua qualidade. Por isso, quanto mais novo, melhor.
Portugal produz 30 variedades de azeitonas, que resultam em azeites bastante diferentes uns dos outros. São 130 mil produtores, com média de 2 hectares cada um. A degustação de azeites é parecida com a dos vinhos: sente-se os aromas e as sensações e sabores na boca. Pelo regulamento, no entanto, não se observa a cor do azeite, tanto que o copo oficial de prova é azul escuro. Diferente do vinho, a cor não deve influenciar o julgamento no caso deste produto.
Mostra de Azeites no Douro TGV
O azeite português no Brasil
Patricia Galasini apresentou um painel do azeite no Brasil. O país é o segundo maior importador de azeite de oliva do mundo, apesar do consumo se restringir às regiões Sudeste, Sul e um pouco no Centro-Oeste.
Portugal é responsável pela maior parte do azeite consumido pelos brasileiros: 59%. Em segundo lugar vem a Espanha, com 19%, e em seguida o Chile, com 6,7%. Praticamente não há produção brasileira e 100% do consumo é importado.
Conheça um pouco mais sobre o mercado de azeites no Brasil e os benefícios dessa gordura para a saúde na nossa entrevista exclusiva com a Patricia:
Azeite para o jantar
Para fechar o dia em grande, como se diz por aqui, um jantar preparado por três super chefs. Com o tema “Cozinhar com os azeites, ao vivo e a várias mãos!”, o evento reuniu, na cozinha do restaurante Panorâmico da UTAD, os chefs André Magalhães, da Taberna da Rua das Flores e da Taberna Fina (Lisboa); João Paulo Magalhães, do futuro restaurante da Quinta do Ventozelo (Douro); e o espanhol Daniel García Peinado, membro da Academia Internacional do Azeite de Oliva Virgen Extra (AOVE) e da Seleção Espanhola da Cozinha Profissional.
Sobre as mesas, já nos esperavam copinhos com azeites das variedades Verdeal, Madural e Cobrançosa — as três da região de Trás-os-Montes — para provarmos com o delicioso pão português antes de se iniciar o menu degustação preparado pelos chefs.
André Magalhães foi o primeiro e disse ter regressado às origens quando serviu a entrada que lhe fazia lembrar “a torrada de pão de centeio que costumava regar com azeite e umas pedrinhas de sal”. Essa iguaria da infância foi “gourmetizada”, como diria o Emanuel, e o azeite Cobrançosa ganhou textura com glicerol, transformando-se em uma espécie de gelatina. Por cima do pão, acrescentou fatias finas de presunto de Lamego, brotos de alho selvagem e sal negro. Um show de sabores e texturas!
A segunda entrada ficou a cargo do espanhol Daniel, que usa somente azeite como gordura na sua cozinha. A ostra com ervas foi emulsionada com azeite e maçã, formando um “granizado”, ao qual se juntou um molho holandês com cítricos e azeite Madural.
A corvina que veio a seguir, também de autoria de Daniel, foi confitada em azeite a baixa temperatura e incluiu purê de azeitona, cuscuz com manjericão, queijo e purê de brócolis. “Com a cabeça da corvina, fizemos um caldo de pescado emulsionado com azeite Cobrançosa”, explica o chef.
Também a baixa temperatura foi feito o bacalhau de André Magalhães, que fechou os pratos principais. Acompanhado com grelos, cada convidado poderia temperá-lo com os muitos azeites da região espalhados pelas mesas.
Abrindo as sobremesas, uma surpresa do chef Daniel: iogurte natural (feito por ele) com amendoim, banana, mirtilo, gelatina de mel e azeite Verdeal. Totalmente inusitado, mas delicioso — até já adotei o iogurte com azeite aqui em casa!
João Paulo Magalhães foi o responsável pela sobremesa que ele define como um “casamento de produtores de Vila Real”. Flores comestíveis, queijo terrincho feito com ovelha da terra e pedaços de pudim de amêndoas conventual produzido há mais de um século pela Casa Lapão — tudo muito bem regado com azeite!
Uma verdadeira experiência gastronômica que fechou o dia maravilhosamente bem!
Os chefs André Magalhães, Daniel García Peinado e João Paulo Magalhães, ao lado de Edgardo Pacheco
A ostra do chef Daniel Peinado
Bacalhau de André Magalhães
O pudim com flores do chef João Magalhães
Vinhos que tomamos no jantar harmonizado com azeites
E um vídeo com o resumo do dia!
O Palácio Mateus
Nosso segundo dia no Douro TGV começou com a visita a um verdadeiro palácio: a Casa de Mateus, uma construção do século XVII repleta de história. Até os dias de hoje a família ainda vive ali, em uma área privada, enquanto o restante da propriedade foi transformado em Fundação desde 1970.
Com uma coleção de mobiliário, artes, relíquias e livros impressionante — incluindo a primeira edição ilustrada de Os Lusíadas, de Camões —, cada canto dessa casa chama a atenção dos visitantes. Portanto, mais do que ficar descrevendo-a, vale mostrar as fotos fantásticas que o Emanuel tirou em apenas uma hora que ficamos por lá.
Chegou a vez dos vinhos
O último dia do evento Douro TGV foi dedicado aos vinhos. E a nossa maratona começou com um almoço especial na Quinta do Paço, um hotel e restaurante instalado em uma casa magnífica do século XVIII.
Nas mesas, os 72 vinhos que participaram do II Concurso de Vinhos Douro TGV, que teve votação durante a manhã por um júri composto exclusivamente por enólogos. Provamos vários brancos, tintos e vinhos do porto, e nem chegamos perto do que os nossos novos amigos portugueses beberam. Eles têm muito mais resistência que nós!
Alguns dos vinhos que provamos durante o almoço
Depois do almoço, fomos à Mostra de Vinhos e Sabores, que contou com a participação de 60 produtores de várias regiões, não apenas do Douro. Uma curiosidade: cada garrafa da mostra tinha um QR Code com informações sobre o vinho e o produtor, e os usuários podiam atribuir os seus próprios comentários e pontuação. Depois do evento, é possível consultar essas informações e encontrar os vinhos que mais gostamos.
Confira um pouco do que foi a feira
No final do dia, todos ficaram conhecendo os grandes vencedores do Concurso:
Brancos
- Quinta das Corriças Colheita Seleccionada branco 2015
- Castelares branco 2016
- Mont’Alegre Reserva branco 2016
Tintos
- Alta Pontuação tinto 2014
- Monte do Desespero tinto 2014
- Quinta dos Lagares VV44 tinto 2014
- Quinta dos Nogueirões Reserva tinto 2014
Vencedores do Concurso Douro TGV
Depois de tantos vinhos, fomos comer uma Francesinha, o sanduíche típico do norte de Portugal (principalmente da região do Porto) e pegamos a estrada rumo à Vila Nova de Foz Côa, para o segundo evento do final de semana. Mas aí já é assunto para outro post!