Decidimos aproveitar um final de semana de sol em janeiro e pegamos a estrada, junto com amigos e familiares, até o Alentejo. Nossos parentes queriam conhecer Évora e — é claro! — aproveitamos para visitar algumas das excelentes vinícolas da região.
Já faz dois anos que a nossa vinda para Portugal vem revolucionando nosso conhecimento sobre os vinhos portugueses. Mas, acima de tudo, tem nos proporcionado a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre os processos de produção e visitar alguns dos maravilhosos locais que engarrafam a história e tradição dos vários cantos de Portugal.
A caminho de Évora, paramos em Montemor-o-Novo para descobrirmos mais uma relíquia guardada pela região alentejana – a Quinta da Plansel. Conhecemos a Julia Lindemann no Mercado de Vinhos do Campo Pequeno (evento ao qual já fomos três vezes), em Lisboa, e ela tratou de nos proporcionar uma visita exclusiva e fora dos padrões. Foi realmente sensacional!
A história por trás dos vinhos
Na Quinta da Plansel, a pesquisa, a sabedoria e a criatividade se unem para concretizar verdadeiras obras de arte.
A quinta ainda estava longe de ser criada, quando um jovem alemão de 18 anos rumava numa viagem em direção à Europa, teve um acidente com o barco e ficou atracado na marina de Cascais, junto de Lisboa. Esse jovem era Jorge Böhm – um verdadeiro revolucionário e criador da Plansel.
Quando Jorge se viu obrigado a ficar em Portugal, rapidamente se apaixonou pelo país e decidiu passar alguns meses estudando as castas e vinhos portugueses. Acabou descobrindo que Portugal possuía cerca de 300 castas autóctones que muitos desconheciam. Decidido a fazer dessa sua carreira, rumou para a Alemanha para estudar viticultura e enologia.
Foi nos anos 80 que Jorge regressou a Portugal e iniciou seu projeto de Viveiros, dando origem ao magnífico trabalho que hoje é desenvolvido pela Plansel — o nome, aliás, vem de Plantas Selecionadas, por conta do viveiro. Logo nos primeiros anos, Jorge revolucionou a arte da viticultura e dedicou-se à produção de bacelos enxertados (conhecido como “pé americano”), cuja produção – atualmente – é de cerca de 1 milhão por ano.
Em 1993, sua filha – Dorina Lindemann – veio também para Portugal e, em 1997, começou o projeto de construção da adega da Quinta da Plansel. Começou por experimentar produzir um espumante – o Al-Xam – e depois foi testando o seu talento na produção de tintos, brancos e rosés, alguns dos quais tivemos a oportunidade de experimentar.
Atualmente, a Quinta da Plansel conta com uma propriedade que abriga cerca de 80 hectares de vinhas, dos quais 80% são destinados a castas tintas e os restantes 20% têm como finalidade a produção dos brancos, rosés e espumantes.
Descobrindo a Adega
Depois de ouvirmos um pouco sobre a história da Plansel, Júlia levou-nos em uma visita guiada pela adega. O local está passando por algumas obras, mas conseguimos apreciar cada detalhe e observar como funciona o processo de produção dos vinhos da Quinta.
Começamos pela área dedicada aos vinhos brancos, onde encontramos castas como a Gouveio, Viosinho, Arinto e até mesmo um pouco de Antão Vaz. Segundo Júlia, os vinhos brancos da Plansel são produzidos em menores quantidades, mas são deliciosos. O perfil que predomina é o cítrico, com sabores que remetem a um pouco de banana e, no caso dos rosés, a morango.
Mas o forte da Plansel são, sem sombra de dúvida, os vinhos tintos. A adega conta com duas linhas de tanques que produzem anualmente cerca de meio milhão de garrafas, dependendo do resultado da colheita. Nos tintos, as castas são – na sua maioria – provenientes do Douro, como é o caso da Touriga Nacional, Tinta Barroca e Touriga Franca, além da excelente Alicante Bouschet típica do Alentejo.
Passamos, também, pelo local onde é realizada a vindima e conseguimos observar os tanques utilizados para os vinhos da linha Marquês de Montemor e os destinados aos vinhos reserva. Espreitamos, ainda, um pouco do laboratório onde são feitas as várias análises e, por fim, visitamos a sala das barricas. Todas as barricas utilizadas na Plansel são de carvalho francês e são usadas no máximo três vezes. São essas barricas que permitem que os vinhos possuam notas de baunilha e café, e proporcionam uma certa elegância.
Por fim, chegamos à linha de engarrafamento, onde estão todas as máquinas responsáveis por limpar, engarrafar e colocar a rolha nos vinhos. Por dia, são engarrafadas cerca de 5.000 garrafas de vinho da Plansel, vendidos em Portugal, e exportados para Brasil, Alemanha, Suíça, entre outros.
A arte dos viveiros: como tudo funciona
No século XIX, chegou a Portugal — e praticamente a todos os outros países produtores de vinho —, um inseto proveniente da América que praticamente dizimou as videiras. Para quem conhece a história, sabe que estamos falando da filoxera. Por conta disso, procurou-se estudar uma solução que fosse capaz de salvar as vinhas. Descobriu-se, então, que este mal poderia ser resolvido através de uma enxertia – ou corte ómega – que permitiu a clonagem das várias castas.
Tudo isso é feito na Plansel e a Júlia nos explicou passo a passo como funciona. Para começar, são utilizadas estacas americanas de vários tipos, adequadas a necessidades específicas; por exemplo, algumas são indicadas para solos mais quentes e outras para solos que necessitem mais água. Além disso, cada estaca permite enxertar qualquer tipo de videira. É, então, feita uma recolha do tipo de casta retirado da poda e cortam-se pequenos pedaços do caule, que são colocados posteriormente nas estacas. E nós vimos todo esse processo ao vivo e a cores!
Após tudo isso, o enxerto é mergulhado em parafina e segue para uma câmara de umidade, onde permanece aproximadamente por duas semanas, até criar as primeiras raízes. Em seguida, retiram-se as folhas e coloca-se novamente a parafina, seguindo-se um tempo em uma câmara de frio para, depois, ser plantado no campo.
Após a plantação, os clones permanecem no campo durante alguns meses e são retirados quando necessário. Para que este processo seja concluído com sucesso, é preciso que o campo onde vai ser colocado esteja completamente virgem: isso significa não ter tido ali nenhuma plantação há, pelo menos, cinco anos.
Fascinante tudo isso, não é verdade? Mais ainda é ver as folhas brotando do caule com a parafina. É a natureza fazendo seu trabalho!
E os vinhos?
Após assistirmos a esse processo incrível, a Plansel tinha preparado para nós um almoço e uma prova com alguns dos seus vinhos. A Quinta possui quatro linhas de vinhos, sendo elas: Marquês de Montemor, Plansel Selecta, DL e Family State. Veja a seguir a nossa opinião sobre os vinhos que provamos:
Marquês de Montemor Reserva 2016
De cor intensa e com aromas que lembram frutas negras, esse vinho passa 12 meses em barricas de carvalho francês, o que lhe dá uma boa complexidade. Possui taninos suave e final de boca persistente.
Marquês de Montemor Touriga Nacional
Um vinho mais floral, com aroma intenso de flor de laranjeira e notas de framboesa. Com uma boa acidez, elegante e persistente na boca. Um vinho muito interessante.
Plansel Selecta Touriga Nacional 2017
Esse vinho fica cerca de 14 meses em barrica. Tem também um toque de flor de laranjeira e a menta típica da Touriga. Harmoniza muito bem com bacalhau ou carnes vermelhas. Um vinho complexo e elegante. Muito agradável.
Family State Dorina Lindemann 2015
Um blend de Touriga Nacional e Touriga Franca com 18 meses em barricas de carvalho francês. Notas de ameixa e frutas negras. Muito elegante e com um frescor impressionante. As uvas são resfriadas durante a noite e fermentadas por 12 dias em barricas. Toda a seleção e triagem das uvas desse vinho são feitas à mão.
Deixamos aqui o nosso agradecimento à Júlia e a toda a equipe da Plansel que nos recebeu nessa visita. Ficamos fascinados com o trabalho desenvolvido nessa Quinta, além dos vinhos maravilhosos que tivemos a oportunidade de degustar.
A Plansel tem uma ótima estrutura para o enoturismo. Se você procura um lugar para visitar, sem dúvida esse deve constar na sua lista. Na verdade, todo o Alentejo é um mundo por descobrir… logo vamos falar sobre o outro projeto que visitamos nesse mesmo final de semana. Até lá!