Natural de Lisboa, Gilberto Marques nem sempre sonhou em trabalhar com vinhos. Licenciado em Engenharia Alimentar, o atual enólogo da Quinta de Pancas iniciou sua primeira experiência com vinho através de um amigo. Não tardou a apaixonar-se e decidir que os vinhos fariam parte da sua vida. A enologia permitiu que Gilberto pudesse explorar o mundo — algo que sempre sonhou — e se revelou o caminho certo.

Gilberto Marques - Enólogo

Depois da sua primeira vindima no Alentejo, Gilberto rumou em direção ao continente americano, onde fez uma vindima na Califórnia e, mais tarde, decidiu ir para a Austrália. Só depois regressou à Europa, onde trabalhou numa instituição de cunho social espanhola, voltada para a integração de pessoas com deficiências. Uma experiência marcante que resultou em grande aprendizado.

Foi, então, que Gilberto retornou à Universidade e ingressou no curso de viticultura. Hoje, depois de mil e uma experiências, assume que a enologia é, sem dúvida, aquilo que quer fazer para o resto da vida.

Nesta entrevista, Gilberto conta-nos um pouco sobre o seu percurso e como tem sido esta aventura no mundo da enologia.

Por que você escolheu a Enologia?

Eu passei pela enologia antes de saber que era algo que queria fazer. Após terminar a minha licenciatura em Engenharia Alimentar, em 2002, estava sem trabalho e fui para o Alentejo trabalhar com um amigo na altura da vindima para o ajudar. Depois da vindima, tentei arranjar outros trabalhos, mas só voltei a pensar em vinhos em 2008. Precisava de um emprego que me desse a oportunidade de trabalhar em qualquer local do mundo e percebi que a enologia poderia ser o caminho certo. Foi, então, que decidi fazer uma vindima na Califórnia, outra na Austrália e, ainda, uma em Espanha. Entretanto regressei a Portugal e foi nessa altura que decidi ir estudar viticultura.  

Qual a casta que mais gosta de trabalhar e por que?

Acho que tenho várias castas com as quais gosto de trabalhar e por motivos diferentes. Mas, principalmente, a Arinto visto que é uma casta sobejamente conhecida e com um potencial enorme, e tenho sempre um enorme prazer em trabalhá-la. Já a Merlot também é uma casta que me tem vindo a surpreender nos últimos tempos, pois é uma casta que poderá fazer um vinho revelar-se muito interessante.

Gilberto Marques - Enólogo

Durante o processo de elaboração de um vinho, qual a decisão que você acha mais difícil de ser tomada?

Penso que talvez seja definir a data da vindima, a desencuba (no caso dos tintos) e a elaboração do lote final. A uva tem de ser vindimada no ponto certo e, para isso, temos de acompanhar a sua evolução semana a semana e não pode passar a data, pois daí para a frente podemos perder o equilíbrio ideal. No caso da desencuba dos tintos, também é crucial definirmos a altura certa para que consigamos atingir o equilíbrio de estrutura e, também, do aroma. Depois sim, a decisão do lote final, sendo que é um momento crítico, pois é nesse momento que definimos o perfil do vinho.

E como é produzir um vinho fora de Portugal? Quais as diferenças que você encontrou?

As diferentes realidades dos diferentes países são bem visíveis na indústria do vinho e as realidades dos locais onde trabalhei também diferem muito entre si. Na Califórnia, mais precisamente na Blackstone Winery, elaboram-se anualmente milhões de litros, tornando-se necessário ter a tecnologia indicada para conseguir processar toda a uva e elaborar vinhos de qualidade. No caso da Austrália, na Haselgrove e Custom Crush — locais onde estive — faz-se prestação de serviços para diversos produtores diferentes, cada um com a sua visão de como e quando realizar as operações, pelo que é necessário ter a tecnologia virada para a diversidade. Já em Portugal, existe cada vez mais uma visão do vinho afastada da indústria e da necessidade de inovações tecnológicas, em prol de uma abordagem mais humana e individual. Temos, no entanto, de acompanhar o desenvolvimento do conhecimento, quer seja por experiência própria ou através de publicações em revistas científicas ou trabalhos de universidades.

Conte um pouco sobre a sua experiência em Espanha. Como foi trabalhar em uma instituição voltada para as pessoas com deficiência?

Em Espanha trabalhei na Cooperativa L’Olivera, uma instituição de carácter social para integração de pessoas com as mais variadas deficiências, onde cada um trabalha o que pode. Quer seja na vinha, na rotulagem ou em nada, caso não se tenha capacidade para tal. A integração é difícil, mas quando se conhece as pessoas e se estabelecem relações de confiança, sabemos que podemos contar com elas para o que for preciso. Foi, de facto, uma experiência única.

E qual o seu estilo de vinho?

Eu procuro traduzir a vinha sem muita interferência. Tento deixar que a vinha expresse o seu carácter e valor. Acompanhando sempre, como é claro, para que não se perca o trabalho feito anteriormente na vinha.

Gilberto Marques - Enólogo

Se você tivesse que produzir os seus vinhos fora de Portugal, que região escolheria e por quê?

Gostava de trabalhar em mais do que uma região, para poder reter a experiência de vários lugares. Talvez, neste momento, optasse por países como Alemanha, Canadá, ou até mesmo o Chile. Uma vez que no passado tive a possibilidade de conhecer outras realidades, fiquei com uma vontade ainda maior de conhecer outras mais. Antes de aceitar fixar-me em Portugal, tinha já planeado ir fazer a vindima de 2010 para Itália, mas entretanto os planos mudaram. Quem sabe, mais tarde vá para outro lugar.

Tem alguma história curiosa relacionada aos vinhos que você já produziu?

A curiosidade nesta história tem a ver apenas com todos os cuidados que temos para garantir a qualidade e que o reverso da medalha é não fazer absolutamente nada. Todos os anos quando fazemos brancos reserva, deixo uma barrica de cada variedade que não é clarificada e fermenta sem controlo. No primeiro ano, deu melhor resultado que todas as outras que foram clarificadas e controladas em níveis diferentes. Claro que quis repetir esse acontecimento, mas no ano seguinte essa barrica não foi sequer aproveitada, portanto, há que ter cuidado com as ideias novas. Podemos abraçá-las, mas devemos sempre estudar até onde podemos ir.

“Há que ter cuidado com as ideias novas. Podemos abraçá-las, mas devemos sempre estudar até onde podemos ir”

Qual é sua maior fonte de inspiração?

Conversar com os colegas. Por muito que, fora do trabalho, se queira falar de outras coisas, o vinho acaba sempre por vir à baila. Tudo começa com uma tranquila partilha de experiências, desde provas de vinhos, execução, operação e por aí adiante… E quando se dá conta, já estamos prontos a criar um vinho novo, com uma nova marca, que vai ser do estilo tal e tal a ser vendido por x preço nos sítios assim e assim.

E o que vem por aí? Quais são as novidades?

Na Quinta de Pancas, será um Branco Reserva Vital, com uma casta pouco trabalhada ainda e que sofreu com a introdução na região de castas modernas, internacionais, mas sobreviveu e os poucos que têm alguma coisa estão a aprender a trabalhá-la. E, também, o Private Selection Merlot. Conforme disse antes, tem-me surpreendido muito positivamente o Merlot da Quinta de Pancas e costuma passar sempre em barrica, integrando o lote do reserva. No entanto, o 2016 está tão interessante — tanto em perfil de casta como de quinta — que decidimos que teria qualidade para ser um Special Selection.


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