Quando se fala em vinho argentino, logo pensamos em Mendoza. E não é para menos! A cidade respira vinho! Com cerca de 1 milhão de habitantes em toda a região, Mendoza teve um boom na vinicultura no início dos anos 1990 – coincidentemente o período da abertura do mercado brasileiro – e entrou para o mapa da gastronomia internacional.
São mais de mil bodegas, entre gigantes vitivinícolas e pequenos empreendimentos familiares, contrastando tecnologias avançadas no processo de cultivo, fermentação e comercialização do vinho, com conhecimentos tradicionais, rudimentares, passados de geração para geração. Seu apelido é “adega da Argentina”, pois é responsável por cerca de 70% do vinho do país, chegando a produzir 1 bilhão de litros por ano e ocupando o quinto lugar no mundo.
O brasileiro é um de seus maiores consumidores. Segundo dados do Ibravin (Instituto Brasileiro do Vinho), a Argentina detém 16,2% do nosso mercado, atrás do Chile, que fica com 47,7% (dados de 2015). Mendoza também é um dos grandes destinos de enoturismo do brasileiro – quem não conhece alguém que já foi visitar suas vinícolas? Você mesmo já foi até lá? Por tudo isso, escolhemos a região como tema do 11º Evento da Confraria Viva o Vinho, que acontece no próximo final de semana, de 4 a 6 de novembro.
Situada bem ao lado da Cordilheira dos Andes, na fronteira com o Chile, Mendoza é um pólo de atividades. A maioria dos turistas se hospeda em seus hotéis e, logo pela manhã, partem para as diversas regiões produtoras de vinho ou para as montanhas, retornando no final da tarde para apreciar o por do sol, que raramente acontece antes das 19h30, em qualquer estação do ano. A noite pode ser estendida nas agitadas boates da cidade.
Suas ruas são repletas de árvores, como freixos, plátanos e amoreiras, que refletem a sempre presente luz do sol, pelo menos 300 dias por ano. A cidade também possui uma enorme área verde, o Parque General San Martín, e praças menores, onde os moradores costumam aproveitar suas horas de lazer com amigos e familiares. Quem passeia pelas ruas verdes nem imagina que Mendoza fica no coração de um deserto!
Entretanto, Mendoza tem uma história marcante. Em 1861, um forte terremoto destruiu a cidade, matando metade da população de 12 mil habitantes e deixando Mendoza em ruínas. Em 1863, a cidade começou a ser reconstruída ao lado das ruínas a partir de um planejamento urbano rigoroso, seguindo os traçados dos canais de irrigação construídos originalmente pelos índios Huarpes. Por isso, apesar de estar no centro de um deserto, Mendoza é considerada um oásis.
Um pouco de história
O nome Mendoza foi uma homenagem ao militar espanhol García Hurtado de Mendoza, que delegou a Pedro de Castillo a responsabilidade de fundá-la.
As primeiras mudas de videiras vieram do Chile junto com os jesuítas, cruzando os Andes há mais de 400 anos. Os sacerdotes católicos que chegaram a estas terras estabeleceram vinhedos perto dos seus monastérios, para assegurar o vinho necessário para celebrar a missa. Os jesuítas distinguiam os vinhos cuyanos (da região de Cuyo, Mendoza e San Juan) como “muito generosos e fortes, capazes de suportar grandes viagens sem se corromper”.
Após anos de elaboração primitiva e rudimentar, durante o século XIX os imigrantes europeus trouxeram novas técnicas de cultivo e outras variedades de cepas, que encontraram ao pé da cordilheira e do Vale do Rio Colorado o terroir ideal. As primeiras vinícolas ficavam nos quintais das casas desses imigrantes.
Por volta de 1850, chega a Mendoza o agrônomo francês Michel Aimé Pouget, que trouxe na bagagem variedades francesas de melhor qualidade. Para disseminar o conhecimento relacionado com este cultivo e com a elaboração de vinhos, nessa época foi criada em Mendoza a Quinta Norma Agronômica e sua Adega Modelo, a primeira escola especializada nas artes agrícolas, com ênfase nas práticas enológicas. Nesta Adega, cujo edifício de 1902 é mantido como patrimônio histórico cultural, foram formados os primeiros enologistas do país.
Já em 1880, chegaram à região os imigrantes Rutini, Trapiche, Luigi Bosca, Pulenta, entre outros. Mendoza começa a se destacar como zona produtora de vinhos, fato acentuado com a inauguração da via férrea em 1885, unindo a cidade ao porto de Buenos Aires. Dessa forma, os vinhos elaborados em Mendoza e San Juan logo ganharam reconhecimento nos principais centros urbanos do país.
Com a ferrovia, chegou também o engenheiro inglês Sir Edmund James Palmer Norton, que começou importando vinhos da França e depois fundou a Bodega Norton, utilizando uvas de castas francesas. Hoje, a Norton pertence a empresários austríacos, da família proprietária da Swarovski.
De 1900 a 1970, o vinho era de baixa qualidade, produzido para consumo próprio, vendas locais e para Buenos Aires. As opções eram tinto e branco, em garrafões, e a qualidade definida como “aqueles que dão dor de cabeça”, ou não.
O consumo per capita dos argentinos sempre foi muito alto, e chegou ao auge nos anos 1970, quando atingiu incríveis 90 litros por ano (para se ter uma ideia, o consumo per capita no Brasil é de 2 litros por ano). Com a crise econômica no final dos anos 70 e início dos 80, o consumo caiu para 55 litros per capita em 1990. Várias vinícolas fecharam suas portas nesse período. A saída era exportar mas, para isso, era preciso melhorar a qualidade dos vinhos.
O grande propulsor da produção de qualidade foi Nicolas Catena, herdeiro da Catena-Zapata. Doutor em Economia, deixou os negócios da família para trabalhar em Buenos Aires e depois nos Estados Unidos. Quando era professor na Universidade de Berkeley, aproximou-se dos produtores de vinho do Vale de Napa e aprendeu técnicas de plantio, administração e produção. Regressou a Mendoza e assumiu a vinícola, dando uma guinada na produção que estimulou todos os outros produtores locais.
Com grandes investimentos nacionais e estrangeiros, em 2006 a qualidade do vinho tinha melhorado de forma impressionante, provocando o aumento das exportações e o reconhecimento internacional.
300 dias de sol por ano
Com elevada altitude, a Cordilheira dos Andes, mais de 300 dias de sol por ano e um rico solo calcário e argiloso, encontra-se uma das regiões produtoras de vinho mais extraordinárias do mundo, bem no coração de um quente e árido deserto. Foi a geografia de Mendoza, com todas as suas rochas e constante luz solar, a responsável por impulsionar a província para que ela se tornasse uma das Capitais Mundiais do Vinho.
Mendoza é uma região árida e empoeirada, com clima seco e solos rochosos e arenosos, onde chove apenas 200 mm por ano. Com um clima semidesértico, os dias são bastante quentes, e no verão o calor é ainda mais intenso, porém a temperatura refresca à noite nas montanhas, sendo o clima perfeito para a elaboração de vinhos de qualidade.
A elevada altitude cria um microclima único que diferencia Mendoza do resto do mundo, com vinhedos plantados a uma altura média de 900 metros acima do nível do mar, e temperaturas médias que variam de 25ºC no verão a -10ºC no inverno. Os ventos secos, o verão quente e úmido, o inverno muito frio, com geadas noturnas, e os dias ensolarados dão o caráter geral do clima na região.
Essas características afastam insetos e pragas das plantações, os dias quentes dão mais doçura ao vinho e as noites frias lhes dão taninos acentuados. O solo seco e o processo de gotejamento – realizado por mangueiras abastecidas pela água do degelo da Cordilheira – traz boa estrutura e um caráter mineral importante.
Assim como Florença, Bordeaux, Bilboa-Rioja, Melbourne e Cidade do Cabo, Mendoza foi selecionada recentemente pela GWC (Great Wine Capitals Global Network) como uma das principais regiões mundiais na produção de vinhos.
Nem só de Malbec vive Mendoza
Apesar da Malbec ser a casta mais famosa na região, Cabernet Sauvignon, Bonarda, Syrah, Sangiovese, Merlot, Tempranillo, Chardonnay, Riesling, Sauvignon Blanc, Torrontés, Chenin Blanc e Viognier também descobriram condições ideais e prosperaram rapidamente, originando os primeiros vinhos finos argentinos.
Na cidade de Mendoza e seus arredores (Maipú, Guaymallen e Lujan de Cuyo), bem como no Vale do Uco, são produzidos principalmente vinhos tintos com as uvas Malbec, Cabernet Franc, Petit Verdot e Cabernet Sauvignon. Já Salta é famosa por seus vinhos brancos com Torrontés, Chardonnay e Pinot Meunier.
A Torrontés é uma uva nativa da região, por isso chamada “criolla”, a mais utilizada nos vinhos brancos. Dizem que o vinho feito com essa casta é mentiroso – isso porque no aroma ele é doce e suave, mas no paladar é seco e levemente encorpado.
Já a Chardonnay é utilizada principalmente na produção de espumantes, muitas vezes compondo um blend com Petit Meunier. Desenvolvidos com o método champenoise, os espumantes são de uma sutileza extraordinária.
Muitas vinícolas estão investindo também na Cabernet Franc, tanto para vinhos varietais quanto blends – uma forte tendência nos últimos anos, inclusive no Brasil.
A Argentina não tem um padrão estabelecido para os rótulos dos vinhos. Geralmente a identificação se dá pelas castas utilizadas e o nome da vinícola. Algumas delas utilizam também o local do vinhedo.
Os oásis de Mendoza
As sub-regiões de Mendoza são popularmente denominadas Oásis, mas não é uma classificação oficial. No entanto, essa separação é aceita e comentada pelos vinicultores da região.
Oásis Centro-Oeste
Localizado no norte da província, está irrigado pelas águas do rio Mendoza. Localizado no sopé da Cordilheira (entre 650 e 1.060 metros acima do nível do mar), abrange principalmente os vinhedos de Lujan de Cuyo e Maipú.
Devido às suas características de solo e clima, é a zona mais importante de produção de vinhos finos, tanto tintos como brancos. Aqui se concentra também a maior produção de vinhos varietais, principalmente Malbec.
Oásis Leste
O oásis do leste de Mendoza está numa planície (a uma altitude entre 640 e 750 metros) que recebe as águas do rio Tunuyán, além de abranger as áreas cultivadas de Junín, Rivadavia, San Martín e Santa Rosa.
É o maior oásis produtivo da Argentina, onde pode ser encontrada uma grande variedade de uvas. Aqui se concentra a maior quantidade de vinhedos, que produzem mais de 50% das uvas do país. Também é a região com maior concentração de destinos para enoturismo – o chamado Caminhos do Vinho.
Oásis Sul
Circundada pelas belezas naturais de San Rafael, General Alvear e Malargue, nesta zona se localizam adegas centenárias que são o orgulho da vitivinicultura. Esta é a principal área de produção da cepa Chenin, que dá suas características aos vinhos brancos da região, frutados com uma excelente relação entre o álcool e a acidez. Aí também se produzem bons vinhos tintos.
Muitas das adegas abertas ao turismo pertencem a famílias tradicionais de Mendoza que lhes deram origem, e hoje produzem com a experiência que trouxeram seus fundadores.
Oásis do Valle de Uco
Este oásis está situado a sudoeste da cidade de Mendoza, na bacia hidrográfica do rio Tunuyán, e abrange Tupungato, Tunuyán e San Carlos. Sua altitude varia entre 900 e 1.500 metros. Rodeado pelo Cordón del Plata e ao pé da Cordilheira dos Andes, suas terras constituem um dos lugares mais atrativos para os novos investimentos estrangeiros.
Esta região, onde se cultivam maçãs, peras, cerejas e castanhas, é perfeita para o cultivo de cepas de alta qualidade e demonstra a nova direção da viticultura e enologia argentinas.
Em San José, com o vulcão Tupungato dominando a paisagem, estão vinhedos situados a 1.500 metros de altura.
Participe do nosso evento neste final de semana
Começa nesta sexta, dia 4, na Confraria Viva o Vinho no Facebook, o Evento Mendoza! Para participar, é só entrar para o nosso grupo, reunir seus amigos ou familiares, abrir um vinho de Mendoza, tirar uma boa foto, provar o vinho e postar no grupo a foto com a sua opinião. Quando cada um compartilha a sua experiência, todos aprendem muito.
E tem melhor jeito de conhecer um país, uma região, do que provando o que ele tem de melhor? Venha viajar para Mendoza com a gente, provando seus vinhos neste final de semana!