Quando falamos em Velho Mundo, a tradição do vinho costuma datar de mais de 5 mil anos. Na Península Ibérica, por exemplo, há registros de videiras cultivadas desde 4.000 ou 3.000 a.C.. Muito depois, durante a Idade Média, a produção de vinhos para atender os cristãos migrou da França para a Espanha, por conta da praga da filoxera que atingiu os vinhedos franceses, e trouxe junto suas técnicas de vinificação.

Desde a década de 1990, porém, a indústria vitivinícola espanhola tem passado por profundas transformações – maiores do que todas as ocorridas nos séculos anteriores – e considerável processo de modernização, que não se limitou apenas ao campo, mas também incluiu toda a regulamentação do setor, e hoje o país é berço de alguns dos mais prestigiosos vinhos do mundo.

A Espanha tem atualmente a maior área de vinhedos do mundo e é o terceiro maior produtor, ocupando a maior parte da Península Ibérica. Grande parcela do território espanhol está em um planalto central denominado meseta, situado a altitudes que variam entre 600 e 1000 metros acima do nível do mar, rodeado de cadeias montanhosas.

Os tipos de solo variam muito de uma região para outra, assim como os microclimas. Nas áreas litorâneas, percebe-se a influência marítima, com clima mais fresco e úmido; no interior do país, o clima é mais continental, com verões mais frios e invernos rigorosos. E essa pluralidade se reflete nos vários tipos de perfis de vinhos espanhóis.

Vinhedos da Espanha

Regras rígidas

Seja qual for a região, o setor vitivinícola espanhol é regido por normas claras para a qualificação de seus produtos, as quais são registradas perante a União Europeia.

A principal divisão é entre os vinhos de Denominación de Origen Protegida (DOP) e os de Indicación Geográfica Protegida (IGP). Quaisquer vinhos que não se enquadrem nos critérios DOP ou IGP só podem ser rotulados como “Vino”. Um detalhe importante é que o status DOP Ribera del Duero só vale para tintos e rosés, e não para os brancos.

Quanto à sua classificação, os vinhos espanhóis podem ser:

Jóvenes: que não envelheceram em madeira ou passaram menos de 12 meses em barris; podem ser consumidos meses após a colheita.

Crianzas: vinhos que passaram ao menos 12 meses em barris de carvalho e só podem ser vendidos a partir do primeiro dia de outubro do segundo ano após a colheita.

Reserva: vinhos que envelheceram ao menos 36 meses, sendo 12 deles em barris de carvalho; esses vinhos só são liberados para o mercado a partir de 1º de dezembro do terceiro ano após a colheita.

Gran Reserva: vinhos de qualidade excepcional, que envelheceram ao menos 60 meses, sendo 24 deles em madeira; só podem ser vendidos a partir de 1º de dezembro do quinto ano após a colheita.

Agora, quando for tomar um vinho espanhol, leia o rótulo e poderá saber mais sobre a qualidade do que está bebendo! 😉

Rioja e Ribera del Duero: as mais conhecidas

Vinhedos de Ribera del Duero, Espanha

Apesar de a Espanha ter mais de dez regiões produtoras de vinhos, cada uma delas com suas características, sem dúvida Rioja e Ribera del Duero são as mais conhecidas em todo o mundo. Foram elas que, ao criar grandes ícones, levaram o nome do vinho espanhol para além das fronteiras do país e disputam hoje a hegemonia dos vinhos tintos espanhóis.

Mas qual a diferença entre os vinhos dessas duas regiões? Uma especialista espanhola, ao comparar os seus vinhos com os franceses, diz que “Rioja seria mais um Borgonha, enquanto Ribera é um Bordeaux”.

Rioja tem influência mediterrânea, e Ribera mais continental. Essa diferença climática é fundamental – em Rioja, a variação de temperatura entre dia e noite é menor, os invernos não são tão duros e os verões mais suaves. Em Ribera, pode fazer 30ºC durante o dia e cair para 5ºC à noite. Os vinhos de Rioja têm bastante acidez natural, são mais finos, elegantes, com complexidade no nariz e bem mais frutados. Os de Ribera são mais carnudos, alcóolicos, encorpados, quase como um Cabernet Sauvignon.

Mas vamos falar sobre Ribera?

Vinhedos de Ribera del Duero

Após essa pequena introdução sobre os vinhos espanhóis, vamos focar no tema do nosso evento de maio: Ribera del Duero. A região dá origem a vinhos fantásticos, e conquistou uma enorme e merecida reputação nas últimas décadas. Isso se deve, sobretudo, à altíssima qualidade de seus vinhos tintos, que estão entre os melhores do mundo. São vinhos de conhecedores, com grande concentração e potência, intensos, muito elegantes, complexos e harmônicos.

O rio Douro português, que cruza o norte do país e deságua no Atlântico na altura da cidade do Porto, nasce, na verdade, no coração da Espanha e ganha ali o nome de Duero. Este belo rio banha, em ambos os países, as mais importantes regiões produtoras de vinho da Península Ibérica.

Em terras espanholas, a Ribera del Duero faz parte de uma região maior, chamada Castilla y Leon, que também engloba as zonas de Rueda, Cigales, Bierzo e Toro, cada qual com sua “Denominación de Origen”. Castilla y Leon é a comunidade autônoma com maior número de áreas vinícolas do país e sua produção nos lembra um mosaico que prima pela variedade de estilos de vinho, uvas e métodos de elaboração.

A região de Ribera del Duero é composta, ao todo, por 102 vilarejos: 60 deles no município de Burgos, quatro em Segovia, 19 em Soria, e 19 na capital de Castilla y León, Valladolid. Veja no mapa abaixo como a região é pequena em relação ao território espanhol.

Mapa de Ribera del Duero, Espanha

Protegida da praga da filoxera por alguns anos devido à sua condição de terra isolada e interior, a região sucumbiu a ela no final do século XIX e início do XX. O golpe foi violento para os vinhateiros e a produção de vinho se reduziu ao mínimo. A estagnação se agravou com a política econômica adotada pelo regime de Franco, que privilegiava a produção de cereais em detrimento do vinhedo, fato semelhante ao ocorrido em Portugal com relação à região do Alentejo durante o salazarismo.

Foi, no entanto, nessa época, em 1864, que se plantou, em Valbuena de Duero, Valladolid, a semente que iria transformar a região de Ribera del Duero e colocá-la no mapa do vinho mundial. Ela se chamava Vega-Sicilia. O título de DO – Denominación de Origen – veio apenas em 1982, mas as Bodegas Vega-Sicilia têm produzido alguns dos melhores vinhos espanhóis desde o último século. Por cem anos ou mais a Vega-Sicilia permaneceu sozinha entre os campos de cultura de açúcar de beterraba, nas margens do Duero.

Mais recentemente, o potencial da região foi reconhecido por Alejandro Fernandez, que teve papel destacado no considerável desenvolvimento alcançado durante a década de 1980, produzindo vinhos ao estilo internacional, de cor profunda, com grande concentração de frutas maduras e taninos, diferentes dos vinhos de Rioja. Com o sucesso de seu vinho Pesquera, Alejandro estimulou outros produtores da região, que anteriormente vendiam suas uvas para cooperativas, a vinificar e vender seus próprios vinhos, dando origem a uma nova e promissora região produtora.

Terroir diferenciado

Terroir em Ribera del Duero, Espanha

Numa primeira visão, o Vale do Duero não é o local mais adequado para se plantar uvas. Com altitude média de 700 a 800 metros acima do nível do mar, tem um período de plantio relativamente curto. As temperaturas, que podem atingir cerca de 40ºC durante o dia, em meados de julho, caem abruptamente durante a noite. O congelamento das vinhas, comum no inverno, continua a ser uma ameaça na primavera. As estações são bem definidas e com baixa pluviosidade (500 mm/ano).

Estes extremos de temperatura parecem ser, na região, um fator positivo na produção de vinhos de alta qualidade. A acidez, que frequentemente falta nos vinhos produzidos na Espanha central, é muito bem retida pelas uvas que crescem no ar montanhoso rarefeito de Ribera del Duero, e as altas temperaturas favorecem a plena maturação das uvas.

A maior parte do solo é do tipo calcário, arenoso, bastante pobre, com baixa fertilidade, formado no período terciário. Terrenos sedimentares de cascalho, argila e gesso também são encontrados.

Tempranillo, Tinto Fino ou Tinto del País?

Uva Tempranillo

A principal uva da região é a Tinto Fino (também chamada Tinto del País), uma variação local da Tempranillo de Rioja. Essa variedade se adaptou de maneira perfeita ao duro microclima da região. Seu rendimento é de média quantidade e muito regular.

A casta suporta bem o frio, brotando de forma tardia, e se previne dos rigores do outono com uma maturação precoce. Dá origem a vinhos de alta qualidade de cor cereja, brilhantes, com aromas de frutas vermelhas bem maduras, bom corpo, acidez equilibrada e boa estrutura tânica, que lhes confere bom potencial de guarda.

Outra uva bastante presente na região é a Garnacha (a mesma Grenache do sul da França), além das variedades bordalesas Cabernet Sauvignon, Merlot, Malbec e Petit Verdot. As castas brancas Albillo e Verdejo são também cultivadas. A região próxima à cidade de Burgos produz bons vinhos rosés, com muita fruta e frescor, a partir das variedades tintas.

Devido à grande amplitude térmica existente (diferença entre a temperatura diurna e noturna) e ao baixo rendimento, as uvas apresentam excelente acidez com grande concentração e aromas intensos.

Vinhos de guarda

Vinícola em Ribera del Duero, Espanha

O estilo de vinificação adotado procura privilegiar os vinhos de cor intensa, enorme riqueza e concentração, plenos de frutas e taninos, com influência moderada da madeira, adaptados ao gosto internacional. A exceção fica por conta do Vega-Sicilia Único, que é produzido dentro dos moldes tradicionais.

Hoje, a região possui cerca de 290 vinícolas produzindo vinhos classificados como DO.

Os vinhos rotulados como Ribera del Duero podem ser tintos ou rosés. Mesmo a Albillo, uva branca nativa permitida na denominação, é utilizada somente para suavizar a intensidade dos vinhos, e não para produzir vinhos brancos.

Na produção de um vinho Ribera del Duero rosé, ao menos 50% das uvas utilizadas devem estar entre as tintas autorizadas na denominação. Esses são vinhos frescos e frutados, com uma agradável acidez.

Já os tintos de Ribera del Duero devem ter pelo menos 75% de Tempranillo, e a Garnacha Tinta e a Albillo, juntas, não podem ultrapassar 5% do corte.

A principal característica dos vinhos de Ribera del Duero é a elegância associada à complexidade aromática. São vinhos deliciosos que podem ser tomados jovens ou deixados para envelhecer e adquirirem características maravilhosas.

Uma curiosidade: os vinhos de Ribera del Duero, além de serem produzidos de acordo com as normas do conselho regulador, também passam por degustações às cegas, conduzidas por especialistas que atestam o padrão de qualidade exigido para pertencer a essa denominação.

Vega-Sicilia, a grande estrela

Bodegas Vega-Sicilia, Ribera del Duero, Espanha

Quando começamos a estudar um pouco sobre a história da vitivinicultura na região de Ribera del Duero, vemos que é impossível dissociá-la da história das Bodegas Vega-Sicilia. Foram eles que transformaram a produção de vinhos na região, e também os primeiros a levar o nome Ribera para além das fronteiras da Espanha, por conta da qualidade de seus vinhos.

Antigamente o vinho ali produzido era simples e só era vendido a granel. Atendia essencialmente as caravanas que por ali passavam. Em meados do século XIX, Don Eloy Lecanda Chaves monta uma bodega na região com o nome de “Pago de la Veja Santa Cecilia y Carrascul”, depois conhecida apenas como “Veja Sicilia” (data de 1864). Ele rompeu com as tradições locais ao plantar castas francesas (Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot e Malbec) e vinificar junto com a casta local Tinto Fino (ou Tinta del Pais, que é o mesmo que Tempranillo). Desde o início seus vinhos foram um sucesso, sendo considerados alguns dos melhores da Espanha. Hoje em dia, o seu vinho mais emblemático é o Vega Sicília Único.Vega-Sicilia Unico

A bodega passou por várias mãos até os nossos dias, estando desde 1982 sob o comando da família Alvarez. No ano de sua fundação, Toribio, filho de Eloy, adquire em Bordeaux 18 mil mudas das uvas Cabernet Sauvignon, Malbec, Merlot e Pinot Noir e as planta em suas terras com o objetivo de produzir brandy. A propriedade tem mil hectares de área, sendo 250 cobertos por vinhedos e o restante por florestas e nogueiras.

A produção de vinho tinto começou um pouco depois e, já nas primeiras décadas do século passado, alcançava grande prestígio. Os vinhos Vega-Sicilia Único e Valbuena surgiram em 1915, concebidos no estilo dos vinhos de Rioja, a região vedete dos vinhos da Espanha na época.

A Ribera del Duero teve de esperar até os anos 1980, quando finalmente seus vinhos foram alçados à categoria DO (Denominación de Origen), para firmar seu prestígio. Na trilha dos vinhos de qualidade surgiram outros grandes nomes: Torremilanos, Protos, Pesquera de Duero, Pérez Pascuas, Bodegas Mauro, Alión, entre outras.

A Vega-Sicilia é a empresa ícone da região e produz três vinhos principais. O Vega-Sicilia Único é a grande referência. Elaborado com 80% da uva Tinto Fino (nome que a Tempranillo ganha na região) mais parcelas das uvas Cabernet Sauvignon, Merlot e Malbec, trata-se de um vinho espetacular, verdadeiramente grande, capaz de envelhecer por muitas décadas. É feito a partir das uvas dos vinhedos mais antigos da propriedade e a proporção da Cabernet Sauvignon é maior do que a Merlot. São sete anos em barricas de carvalho americano e mais três anos e meio de criação em garrafa. A última safra posta no mercado é a de 2004, que ainda mantém toda sua elegância.

O Vega-Sicilia Reserva Especial é um assemblage feito com a mescla das melhores safras do Único, e tem preço semelhante. O Valbuena é um pouco menos estruturado – mas também excelente, com muita fruta e complexidade – passando por três anos e meio em barricas de primeiro uso de carvalho francês e mais um ano e meio em garrafa. Custa a metade do preço do irmão mais velho e é delicioso.

Participe do nosso evento!

6º Evento Confraria Viva o Vinho - Ribera del Duero, Espanha

Se você chegou até aqui, com certeza aprendeu um pouco mais sobre os vinhos de Ribera del Duero e já está animado para participar do 6º Evento da Confraria Viva o Vinho, certo?

Será na próxima semana, de 27 a 29 de maio, e para participar basta se inscrever no nosso Grupo no Facebook. Todas as regras estão na página do evento. É grátis, é divertido, e a gente aprende cada vez mais sobre esse mundo maravilhoso dos vinhos. Vamos juntos?

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