Alykhan Karim, CEO da Sonoma, destaca os episódios de maior impacto em 2019 que vão seguir influenciando e elege o que pode surpreender no próximo ano
Estamos a um passo de começar 2020 e o mercado de vinhos se encontra conturbado. Apesar do crescimento contínuo do vinho na economia global, três fatores importantes estão gerando confusão e alarme.
O primeiro são as novas tarifas na importação de vinhos europeus aos EUA. O maior consumidor do mundo teve um tributo de 25% proposto por Donald Trump, passou pelo Congresso dos EUA e entrou em vigor em novembro deste ano. O fato certamente dificulta a competitividade dos vinhos dos principais países produtores no mercado norte-americano.
China é outro tema impactante de 2019: O país tem sido um dos maiores compradores de Bordeaux Grand Cru Classé ao longo da última década e também grande participante na compra antecipada destes vinhos – fluxo de caixa essencial para muitas das grandes casas da região. A economia do dragão está em um crescimento mais devagar há 15 anos, uma guerra comercial com os EUA está a todo vapor e a turbulência em Hong Kong fica cada vez mais séria, o mercado mais importante de Ásia está muito menos ativo na compra destes grandes vinhos.
Finalmente, o aquecimento global não pode ser mais ignorado — cada nuance de cada safra é sentido na vinha e na veia. O Mediterrâneo está em alerta vermelho. Sem o uso de tecnologia e uma adaptação de uvas (com regras de cada denominação de origem para permitir acontecer) em menos que 15 anos podemos esquecer de sutis rosés de Provence, assim como muitos dos grandes tintos da região de Bolgheri e Châteauneuf-du-Pape — virarão bombas de fogo com graduações alcoólicas de 16% ou mais.
Calor aumenta o nível de açúcar residual na uva, às vezes drasticamente, fazendo com que se transforme em álcool. Quanto mais calor, mais alcoólico tende de ser o vinho. O fato está sendo sentido cada vez mais nas regiões quentes.
Será que o panorama para 2020 é tão sombrio assim? Alykhan Karim afirma que não: outros mercados globais e países estão se mostrando bem promissores — por exemplo, vocês sabia que 40 vinícolas foram inauguradas nos últimos dois anos na Dinamarca?
Viticultores resilientes vencerão mudanças climáticas, e haverá muitas novidades. Aliás, algumas já estão acontecendo. Quer saber quais são? Siga lendo.
Espumantes da Inglaterra
“Você sabia que Inglaterra faz espumantes? Produzidos principalmente em South Downs, Kent e Sussex, são considerados hoje pelos grandes críticos como excelentes — inclusive competem com muitos champagnes artesanais. Claro que Champagne nunca vai parar de ser referência mundial, porém o calor está impactando a região — enquanto a temperatura na Inglaterra está ficando mais amena. Os solos do sul da Inglaterra, à base de cascalho e calcário kimmeridgiano, são bem parecidos aos de Champagne e Chablis; e a qualidade da Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier é alta.”
Berço do vinho
“Geórgia foi o primeiro país a produzir vinho, cerca de oito mil anos atrás. Por isso é considerada o berço do vinho e hoje está na moda. Sua capital, Tbilisi, é um lugar jovem e hype, comparado à Kiev e Berlin de uma década. Não longe da capital, vale a pena visitar Kakheti, lá é cultivado uma boa parte das 400 variedades uvas nativas do país.
Entre os mais famosos estão os brancos aromáticos macerados, que passam por um longo período com a própria casca para oferecer mais corpo e a cor laranja. Depois são estagiados nos famosos Qvevri — ânforas de terracota e argila. Hoje a Geórgia é o maior e melhor produtor do vinho laranja.”
Orgânicos, biodinâmicos e natural
“Vinho orgânico é um vinho que possui as uvas plantada sem pesticidas. Vinho biodinâmico é um vinho orgânico com ciclos da lua e composteiras criativas. Já o vinho natural é produzido com a forma original de se produzir vinho: sem conservantes, sulfito e intervenção alguém na vinificação.
O vinho natural virou hype novamente nos últimos 10 anos. Às vezes o sabor é de suco fermentado ou kombucha. Outras vezes são vinhos incrivelmente complexos e precisam ser degustados.
Todas as três designações precisam ser conhecidas por todos. Hoje 25% dos vinhedos do mundo empregam viticultura orgânica ou biodinâmica; enquanto os naturais só crescem, cada ano mais. Até grandes casas de regiões tradicionalíssimas como Bordeaux e Castilla y León oferecem um ou dois rótulos naturais em seus portfólios.
Em São Paulo, a Feira Naturebas comemorou seu quarto ano com quase 200 produtores e importadoras participando, foram mais de 3 mil pessoas. Podemos esperar esta tendência seguir ganhando força nas outras capitais do país.”
Mais veganos
“Os vinhos veganos serão outra tendência importante em 2020, graças ao crescente movimento em favor de alimentação temática e a preocupação com o meio ambiente. E é aí que você deve estar se perguntando: Mas vinho leva produto animal?
Os subprodutos animais derivados de leite, ovos, peixe e gelatina são frequentemente usados em uma parte do processo de vinificação para refinar e clarificar o vinho antes do engarrafamento. Os vinhos veganos são afinados e clarificados com bentonita (um tipo de argila) em vez de ovos, ou simplesmente não são refinados ou filtrados.
A tendência só aumenta na Austrália, Califórnia, Nova Zelândia e Portugal.”
Uruguai em expansão
“A qualidade dos vinhos uruguaios está cada vez melhor comparado há cinco anos, quando somente os vinhos Bodega Garzón eram conhecidos pelos brasileiros.
Tannats selvagens e sem refinamento já eram, hoje a pureza da fruta em expressões da Viña Eden e Finca Narbona é fantástica. A paisagem é bucólica e os tintos são abundantes para quem quiser se aventurar pela Rota 12. A Viña Eden em Maldonado se destaca pela arquitetura moderna e cozinha renomada — com destaque para o Tannat Cimento. Altos de la Ballena também é uma bela opção não muito longe de Montevideo e produz um Cabernet Franc notável.”
China, consumidora e produtora
“Em até 10 anos a China será o maior consumidor e produtor de vinhos do mundo. Com tanto apetite e tanto terroir virgem, pode apostar que a qualidade dos vinhos ficará soberba.
Aliás, já é. O investimento pelas melhores casas de Bordeaux em diversos terroirs da China está rendendo frutos. Hoje a Long Dai, há 20 anos propriedade chinesa da DBR (Domaine Baron de Rothschilds, Lafite) é considerada a melhor vinícola da Ásia.
Penglai, na província de Shengda, está sendo chamada localmente como o Napa Valley da China e Ningxia, no interior, é cada vez mais prestigiada e estimada pelos críticos internacionais.
A maioria destes vinhos será oferecida somente no mercado chinês. Quem sabe um importador do Brasil se arrisque para trazer alguns exemplares para experimentarmos. Eu certamente comprarei uma ou duas garrafas.”