A região como a conhecemos hoje nem sempre foi assim e, devido ao panorama atual, os seus vinhos são produções cada vez mais exclusivas e diferenciadas. Curioso? Continue a ler o artigo para desvendar todos os mistérios dos vinhos de Colares!
A tradição dos vinhos de Colares
Colares é uma região de área tão reduzida que cada um dos seus vinhos se torna algo raro e desejado entre os amantes de vinhos de Portugal. Na verdade, esta região vinícola, situada entre a Serra de Sintra e o Oceano Atlântico, reúne as freguesias de Colares, São Martinho e São João das Lampas, estendendo-se pela costa e com um terroir influenciado pelas particularidades geográficas do local.
Identificar o momento em que a produção de vinho se iniciou nesta região é complicado de precisar — alguns especialistas sugerem que D. Afonso Henriques, por volta de 1150, já enaltecia o vinho de Sintra, sugerindo uma relação com o vinho de Colares.
Contudo, foi só com D. Afonso III que surgiram os primeiros vestígios de cultivo destas características vinhas. Em 1255 o rei doou as terras de Reguengos de Colares a Pedro Miguel e sua mulher, Maria Estevão, que deveriam plantar ali videiras oriundas da França.
D. Afonso III (Fonte: Wikipédia)
Fundada a partir de uma carta que também distinguiu o vinho de Colares como um produto exclusivo regional, a Região Demarcada de Colares encontra-se inserida na região de Lisboa. Na verdade, em um primeiro momento a capital detinha três DOCs —Colares, Bucelas e Carcavelos —, e dizia-se que Lisboa concentrava a produção dos seus vinhos na quantidade, com exceção destas três regiões que se diferenciavam pela qualidade.
Além disso, a história de Colares está intimamente ligada ao Brasil, país que impulsionou a exportação destes vinhos nos anos 20 e 30, levando-os além das fronteiras e incentivando a conquista de novos mercados internacionais.
Também nessa época, em 1931, foi fundada a Adega Regional de Colares com o objetivo de não deixar estas produções perderem a sua qualidade e essência.
Considerada a Adega Cooperativa mais antiga de Portugal, de acordo com Francisco Figueiredo, atual enólogo e diretor de produção, a Adega conta atualmente com 17 produtores associados — mas já chegou a ter 600 sócios.
Estes números contrastantes devem-se em grande parte à intensa redução da área das vinhas a partir dos anos 60 e 70 do século XX. Nessa época, a especulação imobiliária transformou zonas totalmente rurais em semiurbanas — consequentemente, os solos com vinha passaram de 1300 hectares nos anos 30 para apenas 30 hectares nos dias de hoje.
De acordo com Francisco Figueiredo, isto não se associa unicamente ao crescimento imobiliário, mas também ao “abandono da agricultura pelas novas gerações e ao aumento dos serviços”.
Características da região de Colares
Os vinhos de Colares são realmente diferentes dos demais, mas por que será? De onde vêm as suas características e o que os torna tão raros?
O microclima da região caracteriza-se pela umidade, pelo nevoeiro e, acima de tudo, pela teimosia dos ventos, obrigando a forma de cultivo a se adaptar às especificidades da região. Diferente de tudo o que já vimos, as vinhas são rasteiras para se protegerem do vento. Por outro lado, as poucas horas de insolação tornam a maturação das uvas muito longa e até mesmo incompleta.
Um método de produção surpreendente
Mais do que as particularidades do terroir, é nos métodos de produção que os vinhos de Colares se distinguem realmente. Situadas próximas do mar, as vinhas de Colares são plantadas em chão de areia da era terciária, que se encontra sobre uma camada de argila. Sim, pode parecer estranho, mas leu bem!
Não permitindo reter nutrientes ou água, a areia é um solo muito pobre. Por isso, o que permitiu a cultura de vinhas na região foi a subcamada de solo argiloso, fenômeno que conferiu a este método de plantação o título de único no mundo.
Assim, a plantação das vinhas neste solo é bastante diferente de tudo o que já vimos: são abertas verdadeiras trincheiras na areia — muitas vezes de até três metros de altura — até ser encontrada a argila e é exatamente aí que são plantadas as vinhas, de forma a conseguir fixar a raiz.
Além disso, para o solo estar preparado para o crescimento das vinhas, ao longo de quatro anos a areia necessita de ser reposta, ao mesmo tempo que também é colocado estrume. As videiras vão crescer, assim, de forma rasteira, ocorrendo a maturação da uva no final do verão.
De fato, esta característica é a base para se definir quais são os vinhos DOC Colares. Tudo o que é plantado na região, mas não neste tipo de solo, é considerado vinho Regional de Lisboa.
Outra das particularidades mais marcantes nos vinhos de Colares é o seu processo de envelhecimento. Ao contrário de alguns vinhos, para atingir o seu máximo potencial o vinho de Colares necessita de um envelhecimento não inferior a seis anos.
Exemplo disso são os vinhos tintos da Adega Cooperativa, que nunca são colocados no mercado com menos de oito anos. Por sua vez, o produtor Paulo da Silva, um dos mais antigos da região, afirma que envelhece os seus vinhos por cerca de dez anos.
De acordo com o enólogo Francisco Figueiredo, a Adega Cooperativa produz cerca de 100 mil litros de vinho anualmente, dos quais apenas 20% correspondem aos vinhos DOC Colares. Por outro lado, Pedro Rocha, da Adega Beira Mar de Paulo da Silva, produz entre 1100 e 2000 garrafas de vinhos de Colares a cada ano — também vinificados na Adega Cooperativa.
Vinhos da Adega Cooperativa de Colares
Vinhos da Adega Beira Mar
As castas autóctones de Colares
Uma das grandes identidades dos vinhos de Colares são as uvas utilizadas na sua criação, castas autóctones e exclusivas da Região Demarcada.
Ramisco
Nos tintos, destaca-se a Ramisco, uma casta com 80% de representação e que, segundo Francisco Figueiredo, “chega a ser muito semelhante à Baga, dando origem a vinhos muito taninosos”. Por conta disso, os vinhos de Ramisco necessitam de maior tempo de envelhecimento. E, apesar de realmente ser uma casta muito poderosa, os seus vinhos são caracterizados por uma certa frescura, dada a sua proximidade ao mar.
Já o seu grau alcoólico tende a não ser elevado quando comparado a outras regiões: estamos falando de médias entre os 11,5° e os 12,5°, com algumas exceções que chegam aos 13° apenas em anos mais secos.
No que diz respeito ao estágio, estes vinhos passam primeiro por tonel de madeira (muitos deles de madeiras exóticas), seguindo-se um ano de barrica usada de carvalho.
Malvasia
A casta branca autóctone da região de Colares é a Malvasia, que também deve ter uma representação mínima de 80% nos seus vinhos e, ao contrário da Ramisco, passa apenas por um ano de estágio antes de ir para a garrafa.
A Malvasia caracteriza-se por dar origem a vinhos relativamente mais secos, doces e muito aromáticos. Contudo, existem características comuns aos vinhos de ambas as castas, marcados por uma acidez natural forte, baixo grau alcoólico e frescura muito característica.
Um mercado que promete
Com um crescimento impulsionado em grande parte pelos mercados internacionais, os vinhos portugueses conquistaram o mundo. O vinho de Colares não podia ser exceção e, por conta de suas características únicas, o seu grande público é especialmente estrangeiro.
No caso da Adega Beira Mar, Pedro afirma que o principal mercado dos seus vinhos é internacional, com destaque para países europeus como Dinamarca, Bélgica, Noruega e Holanda, assim como a exportação para Estados Unidos e Brasil.
Por sua vez, 60% da produção da Adega Regional de Colares destina-se ao mercado nacional, enquanto os 40% restantes são exportados para Estados Unidos, Noruega, Canadá e Reino Unido.
Assim, apesar dos vinhos de Colares serem cada vez mais raros no que diz respeito à sua quantidade, pode ser avistado um futuro muito promissor! As suas características não podem ser encontradas em mais nenhum vinho e o método de produção que o envolve é surpreendente, o que só contribui para reforçar o seu valor histórico e cultural. E se ainda não está convencido pela história destes vinhos, não há nada como provar para tirar todas as dúvidas!