Quando recebemos o convite para o almoço harmonizado promovido pela Quinta da Bordaleira, sabíamos que seria uma experiência especial. O evento aconteceu no Grémio Literário de Lisboa, em um dos salões mais deslumbrantes do local: o Salão Louis XV. Com seus lustres imponentes, mobiliário refinado e a companhia de muitos amigos do mundo do vinho, o espaço criou um cenário perfeito para uma imersão na história e nos sabores do Dão.
O anfitrião, Renato Pellegrini, compartilhou não apenas detalhes sobre os vinhos, mas também a história pessoal que levou à criação da Quinta da Bordaleira.
Um sonho de família que virou realidade
A Quinta da Bordaleira nasceu de um desejo profundo de Renato em resgatar suas raízes familiares. Filho de portugueses emigrados para o Brasil, ele cresceu ouvindo as histórias de seus avós sobre a viticultura e a conexão com a terra. Esse sonho começou a tomar forma quando ele e sua esposa Bozidara (de origem eslovaca) adquiriram a propriedade em 2016, mesmo ano do nascimento de sua segunda filha, Ana Carolina.
“Era um projeto romântico, de quem queria apenas fazer um vinho autêntico do Dão, sem compromissos comerciais. Mas, como todo sonho, depois veio a realidade”, contou Renato.
Hoje, a quinta conta com 4 hectares de vinha, parte dela com mais de 25 anos. A viticultura respeita o terroir e integra tradições da região, como o pastoreio das ovelhas Bordaleiras, fundamentais para a sustentabilidade do solo. “As ovelhas do vizinho fazem o pastoreio na nossa vinha durante o inverno, ajudando no controle da vegetação e na adubação natural”, explicou Renato.
Você sabe o que significa Bordaleira?
O nome da quinta não é apenas uma referência geográfica ou comercial. Ele homenageia a ovelha Bordaleira, uma raça típica da Serra da Estrela. Essas ovelhas são fundamentais para a produção do famoso Queijo Serra da Estrela DOP — que só pode ser produzido com o leite das Bordaleiras — e também têm uma forte ligação com a cultura e tradição pastoris da região.
O conceito da Bordaleira também está presente nos rótulos dos vinhos da quinta. Inspirados no burel, tecido tradicional utilizado pelos pastores, os rótulos possuem um verniz em alto-relevo que remete à textura rústica e resistente desse material.
O terroir e a vinha na Quinta da Bordaleira
A vinha da Quinta da Bordaleira beneficia de uma exposição solar privilegiada (leste-oeste), permitindo uma maturação equilibrada das uvas. A altitude de 600 metros, protegida pelas Serras da Estrela e do Caramulo, proporciona um amadurecimento lento dos frutos, resultando em vinhos com alta acidez natural e grande estrutura.
As castas cultivadas são exclusivamente as tradicionais do Dão, incluindo Touriga Nacional, Tinta Roriz, Alfrocheiro, Encruzado, Malvasia Fina e Gouveio, garantindo que cada vinho preserve a identidade da região.
A colheita manual é feita por equipes locais, assegurando um rigoroso controle de qualidade desde a vinha até a adega. Ao chegar à adega, as uvas passam por uma seleção manual antes de iniciarem o processo de vinificação, que é acompanhado de perto pelo enólogo da Quinta da Bordaleira, António Narciso. O estágio dos vinhos ocorre tanto em cubas de inox quanto em barricas de carvalho francês.
Sustentabilidade desde a primeira colheita
A sustentabilidade é um dos pilares da Quinta da Bordaleira. Desde o início, a vinícola adotou práticas ecológicas para minimizar o impacto ambiental e preservar a biodiversidade da região.
- Pastoreio natural: Entre outubro e março, um rebanho de cerca de 100 ovelhas Bordaleiras pastoreia na quinta, ajudando no controle natural da vegetação e enriquecendo o solo com adubação orgânica.
- Uso reduzido de químicos: A vinícola evita herbicidas e minimiza a utilização de produtos químicos, apostando em métodos naturais de proteção da vinha.
- Aproveitamento de recursos hídricos: Sistemas de drenagem foram instalados para otimizar o uso da água, garantindo um crescimento saudável da vinha sem desperdício.
Além disso, a Quinta da Bordaleira não é apenas uma produtora de vinhos, mas também um motor de desenvolvimento local. O investimento na mão de obra da região e a aquisição de produtos e serviços em um raio de 10 quilômetros da propriedade demonstram o compromisso com a economia local e a preservação das tradições vitivinícolas do Dão.
O almoço harmonizado: Uma viagem sensorial
O menu preparado para o evento foi pensado para ressaltar as características dos vinhos da Quinta da Bordaleira. A harmonia dos pratos e dos vinhos criou uma sinfonia de aromas e sabores que encantou a todos.




1. Primeiro momento: a entrada
O evento começou com os vinhos Family Selection Rosé 2023 e Family Selection Branco 2022, servidos com a entrada. O Rosé, elaborado com Touriga Nacional — a casta mais tradicional do Dão —, revelou notas de frutas vermelhas frescas e acidez vibrante. Já o Branco, um blend de Encruzado e Malvasia Fina, trouxe frescor e mineralidade.
2. Vinhos brancos com bacalhau gratinado
O primeiro prato foi um delicioso bacalhau gratinado, harmonizado com dois vinhos brancos: o Reserva Branco 2021, um 100% Encruzado com estágio parcial de seis meses em carvalho francês, e o Edição Especial 1.993m Branco 2020, também 100% Encruzado e fermentado em barrica. Ambos trouxeram estrutura e complexidade ao prato, com notas cítricas e elegância marcante.
Nota: o nome 1.993m é em homenagem à altura do pico mais alto da Serra da Estrela, não são as vinhas que estão nesta altitude.
3. Vinhos tintos com magret de pato
Para acompanhar o magret de pato, foram servidos o Family Selection Tinto 2021 e o Reserva Tinto 2019. O primeiro, um blend de Touriga Nacional, Tinta Roriz e Alfrocheiro, destacou-se pela fruta intensa e boa acidez. Já o Reserva, com 12 meses de estágio em carvalho francês, trouxe mais estrutura e notas tostadas sutis, sendo muito gastronômico.
4. Edição Especial 1.993m Tinto com cheesecake
A grande surpresa foi a harmonização do Edição Especial 1.993m Tinto 2018, um Touriga Nacional de edição limitada, só produzido em anos excepcionais, com cheesecake e geleia de frutos vermelhos. Seus taninos estruturados e notas de mirtilo maduro complementaram a doçura da sobremesa de forma surpreendente, fechando a experiência com chave de ouro.
A caminho do Brasil: Um brinde às origens
Para Renato Pellegrini, levar os vinhos da Quinta da Bordaleira ao Brasil não é apenas uma expansão comercial; é uma forma de unir dois mundos que fazem parte da sua história. Criado no Rio de Janeiro, mas com raízes profundamente ligadas a Portugal, Renato vê nessa jornada uma homenagem às suas origens e uma maneira de compartilhar sua paixão pelos vinhos com os dois países que carrega no coração.
A primeira remessa já atravessou o Atlântico e está em processo de desembaraço alfandegário no Rio de Janeiro, a cidade onde cresceu e que agora recebe os rótulos que ele ajudou a criar. Esse marco simboliza não apenas a valorização crescente dos vinhos portugueses no mercado brasileiro, mas também um elo entre tradição e futuro, entre Portugal e Brasil.
Cada garrafa que chega ao Brasil carrega não apenas a essência do Dão, mas também a história de uma família que transformou um sonho em realidade. E, com cada brinde feito em terras brasileiras, um pedaço da Serra da Estrela e da paixão de Renato por esse projeto ganha vida do outro lado do oceano.
Uma Experiência Memorável
O evento da Quinta da Bordaleira no Grémio Literário foi mais do que uma simples degustação de vinhos. Foi uma celebração da tradição, do terroir e das histórias que tornam cada garrafa única.
Saímos do evento com um novo olhar sobre a relação entre o vinho e a cultura. A Quinta da Bordaleira não é apenas uma vinícola, mas um projeto que resgata e perpetua a essência do Dão, respeitando suas raízes e compartilhando sua identidade com o mundo.