Na última segunda-feira, 8 de setembro, Lisboa foi palco de um evento raro e memorável no mundo do vinho do Porto. No Hotel Ritz, a Real Companhia Velha — a mais antiga empresa portuguesa em atividade — apresentou duas preciosidades da sua icônica Quinta das Carvalhas: a segunda edição do Porto Tawny 50 anos e, pela primeira vez, o aguardado Porto Tawny 80 anos.
Com direito à prova exclusiva das componentes que compõem o blend do 80 anos, o evento reuniu jornalistas, enófilos e especialistas em um ambiente de pura celebração, tanto pela excelência dos vinhos quanto pela ousadia da proposta.
A semana de lançamento foi escolhida em comemoração ao Dia do Vinho do Porto, celebrado em 10 de setembro. Estivemos lá e neste artigo compartilhamos os detalhes dessa experiência única.
Quinta das Carvalhas: tradição com espírito inquieto
A Real Companhia Velha celebra este ano 269 anos de existência, com o olhar voltado tanto para o passado como para o futuro. Foi com esse espírito que Pedro Silva Reis, presidente da empresa e master blender, iniciou a apresentação ao lado do filho Tiago Silva Reis, diretor executivo e também blender de Porto.
“A ideia de fazer vinhos assim nasceu de um questionamento: por que esconder a individualidade de cada casco, de cada história?”, contou Pedro. “Cada vinho envelhecido tem um percurso, uma memória dentro da madeira, e chegou a hora de partilhar isso.”
A proposta representa uma quebra de paradigma dentro da própria Companhia, que historicamente sempre prezou pela consistência nos seus vinhos de idade. Agora, passar a apostar também em edições limitadas, não replicáveis, com foco na expressão artística e sensorial de cada lote.
A arte de lotear: o Tawny 80 anos “Impressionista”
Com o selo “The Impressionist”, a primeira edição do Porto Tawny 80 Anos da Quinta das Carvalhas é uma verdadeira obra-prima. Foram produzidas apenas 695 garrafas, com parte também destinada a formatos menores.
A analogia com o movimento impressionista não é por acaso: assim como na pintura, este vinho nasce da sobreposição de camadas, da interpretação subjetiva e da busca por uma experiência emocional.
O lote é composto por quatro vinhos raríssimos:
Very Old Tawny da década de 1890 – responsável pela profundidade e mística do conjunto.
Very Old Tawny 1927 – um ano icônico, com frescor e equilíbrio surpreendentes.
Colheita 1955 – estrutura e exuberância, com notas intensas de casco.
Colheita 1975 – vitalidade e tensão, trazendo frescor ao conjunto.
“Não há fórmula mágica”, explicou Tiago. “O segredo está em respeitar o tempo e saber ouvir o que cada vinho tem a dizer. Nenhum deles, sozinho, teria a complexidade do lote final. É na soma que a arte acontece.”Apesar dos 168 g/l de açúcar, o 80 anos impressiona pela acidez vibrante e frescor notável, que equilibram a doçura com precisão. Um vinho de final longo, sem excessos, feito para contemplar e partilhar, com toda a reverência a que tem direito.
Segunda edição do Tawny 50 anos: um novo olhar
O evento também marcou o lançamento da segunda edição do Quinta das Carvalhas Porto Tawny 50 anos, batizada de Edição 225. Diferente da primeira — que seguia um perfil mais elegante e “borgonhês” — esta nova versão traz um pouco mais de exuberância e concentração.
A base do lote é composta por dois vinhos extraordinários: as colheitas de 1976 e 1977. “São vinhos muito ligados à história da família, produzidos na época do nosso avô, que guardamos cuidadosamente até hoje”, revelou Tiago.
Com um perfil mais encorpado e camadas aromáticas ricas, a Edição 225 mantém a assinatura da casa, mas com uma intensidade que agrada tanto aos colecionadores quanto aos curiosos em busca de experiências únicas com o vinho do Porto.
Vinhos com alma e transparência
Um dos aspectos mais emocionantes do evento foi a prova dos quatro vinhos que compõem o blend do 80 anos — algo raríssimo e que transformou o lançamento em uma verdadeira masterclass. Foi possível comparar aromas, texturas e evolução entre as décadas, numa verdadeira viagem sensorial através das décadas.
“Antigamente, dizíamos que um porto velho era sempre melhor. Hoje, buscamos um porto antigo, mas com vitalidade”, explicou Pedro. “Queremos vinhos que encantem, que convidem a beber mais um gole. Isso é qualidade.”
Essa visão representa não apenas um novo posicionamento da Companhia, mas um convite ao consumidor para que participe dessa jornada de descoberta. Em vez de fórmulas fechadas, a transparência. Em vez de rigidez, a liberdade de explorar. Em vez de envelhecimento como fim em si mesmo, a agradabilidade como objetivo.
Uma nova era para os vinhos de idade
Ao fim da prova, restava a sensação de termos testemunhado algo raro. Não só pela excelência dos vinhos, mas pela clareza com que a Quinta das Carvalhas e a Real Companhia Velha estão conduzindo essa verdadeira revolução no universo dos Tawnies de idade.
Mais do que lançar vinhos antigos, o que vimos foi o nascimento de uma nova forma de comunicar o vinho do Porto: com alma, identidade e coragem para fazer diferente.
E, para nós, estar presentes nesse momento — no cenário elegante do Hotel Ritz, entre aromas centenários e histórias familiares — foi um privilégio. Um daqueles encontros em que o tempo, o vinho e a memória se entrelaçam na mesma taça.