Na gastronomia, eu sou captada pelos aromas. Adoro sentir o cheiro de café pela manhã, do bolo quentinho saindo do forno, de alho e bacon estalando na frigideira… O mesmo acontece com os vinhos. Os mais aromáticos são os que ganham meu coração de imediato. Por isso a Merlot é uma das minhas uvas prediletas. Dificilmente um vinho dessa casta não tem um perfume que invade o ambiente ao primeiro giro da taça.

Tema do 5º Evento da Confraria Viva o Vinho, que acontece de 29 de abril a 1º de maio no nosso Grupo no Facebook, a Merlot é uma das uvas mais cultivadas do mundo – mas nem sempre foi assim. Durante muito tempo ela foi conhecida como “a outra tinta de Bordeaux”, onde a Cabernet Sauvignon reinava absoluta. Essa percepção mudou a partir de 1980, quando começaram a surgir os vinhos do Novo Mundo.

Melro, ou merle, que originou o nome da uva MerlotA palavra “merlot” significa “pequeno merle”, ou melro, em francês, um pequeno pássaro preto comum na Europa. A origem do nome talvez esteja na comparação da cor preto-azulada das uvas maduras com a cor dessa ave, ou na forma como os melros gostam de comer essas uvas antes da colheita. Na realidade, os melros são considerados pelos enólogos como uma das pragas da vinha.

Originária da região de Bordeaux, na França, a Merlot é descendente da Cabernet Franc e meia irmã da Carménère e da Cabernet Sauvignon. Os primeiros registros oficiais são recentes, de 1784 em Bordeaux (Cotes de Libournais). Na Itália (Vêneto), ela é mencionada apenas em 1855, com o nome de “Bordò”.  Hoje é a uva mais cultivada em Bordeaux e a terceira na França (atrás da Carignan e da Grenache). Na margem direita de Bordeaux (Saint-Émilion e Pomerol), ela domina amplamente, enquanto na margem oposta ela corresponde no máximo a 25%, com maior destaque na sub-região de Saint-Estephe.

Hoje em dia, é uma das uvas tintas mais cultivadas no mundo, competindo somente com a Cabernet Sauvignon entre as mais conhecidas. Em Bordeaux, soma 101 mil hectares, contra os 53 mil hectares de Cabernet Sauvignon. No mundo, já existem mais de 250 mil hectares de vinhedos plantados com esta casta.

Características

Uma das grandes características da Merlot é sua maturação rápida. Em Bordeaux, por exemplo, ela amadurece em média duas semanas antes da Cabernet. Isso lhe garante fama de “colheita segura”, escapando das perigosas chuvas durante o período de colheita. A Merlot se adapta bem a climas mais frios (em comparação com a Cabernet Sauvignon), com solos mais rochosos, áridos, argilosos e ferrosos.

Por estar adaptada a diversos terroirs, a Merlot gera discussão especialmente no tocante ao seu cultivo, maturação e colheita. Há duas “escolas” sobre seu ponto ideal de colheita.

A primeira linha, encabeçada pelo enólogo Michael Rolland, diz que a uva deve ser colhida o mais tarde possível, concentrando os açúcares e a maturação fenólica. Essa técnica gera maior intensidade de cor e aromas de frutas, além de taninos macios e maduros combinados com bom corpo, graduação alcoólica e notas de frutas maduras. Tudo isso ainda pode ser complementado por estágio em barricas de carvalho, em geral francês. Este é o padrão “internacional” de vinhos com Merlot, muito encontrado em vinhos do Novo Mundo.

A segunda linha, comandada por Christian Moueix e Jean-Claude Berrouet, alega que a colheita tardia prejudica a acidez, supervaloriza os aromas frutados, deixando os vinhos pesados, carnudos, em detrimento da elegância, frescor e longevidade. A opção é colher as uvas quando atingem seu grau correto de maturação, gerando vinhos elegantes, com corpo e graduação alcoólica mais leves e sedosos, maior acidez e aromas de frutas vermelhas maduras, como framboesa e morango, e ainda algumas notas vegetais. Essa é a versão francesa dos tintos da Merlot.
Uva Merlot

Toda essa questão gerou uma crise de identidade. Afinal, o que podemos esperar de um vinho dessa casta?

Os vinhos Merlot são apreciados por sua textura macia, e também pela parceria com a Cabernet Sauvignon em alguns dos melhores vinhos tintos do mundo. A maciez e a doçura da Merlot ajudam a equilibrar os traços mais fortes das outras uvas.

O tamanho dos bagos, acima da média, é responsável por uvas de taninos médios, quando comparadas a outras uvas tintas. Apesar do caráter suave, textura lisa e macia, a Merlot tem cor vermelho vivo.

Em relação aos aromas, destacam-se os de frutas pretas, como ameixa e jabuticaba; os de ervas, como alecrim e orégano; e os de especiarias, como canela e noz-moscada. Pode apresentar outros aromas, como caramelo, baunilha e café, quando seus vinhos estagiam em madeira.

Na boca, normalmente apresenta textura macia e bastante aveludada. Seus taninos também são macios. Acidez e álcool em níveis equilibrados. O uso de carvalho pode acrescentar sabor especial à uva, mas também pode diminuir sua elegância.

Os vinhos Merlot de climas mais quentes, como os da Califórnia, Austrália e Argentina, costumam ser mais frutados e menos tânicos. Por vezes, é conferida mais estrutura a esses vinhos, por meio do amadurecimento em carvalho.

Já os Merlot produzidos em climas frios, como os da França, Itália e Chile, costumam ser um pouco mais estruturados, com presença um pouco maior de taninos, sendo algumas vezes até confundidos com Cabernet Sauvignon.

Assim como a maioria das uvas tintas, a Merlot pode ser apresentada sozinha (varietal) ou em corte (assemblage). Normalmente, o tempo de guarda é bem-vindo para essa uva, porém seus vinhos podem ser degustados também jovens.

Quando vinificada sozinha como varietal gera, tradicionalmente, vinhos macios, fáceis de beber, com taninos sedosos e redondos para serem apreciados geralmente mais jovens, entre três a cinco anos. Exceção feita a grandes vinhos de terroir, que podem e vão mais longe.

Quando em corte, ela é responsável por arredondar, harmonizar e dar mais elegância ao conjunto. Mesclada à Cabernet Sauvignon e à Tannat, resulta em vinhos de maior estrutura, equilíbrio e potencial de envelhecimento, ajudando a amaciar estas cepas poderosas e bastante tânicas. A Merlot também compõe o tradicional Corte Bordalês, formado por Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc, além de menores proporções de Petit Verdot e Malbec.

Principais regiões

A região imbatível da Merlot é Saint-Émilion, em Bordeaux. Ali são produzidos rótulos consagrados como Chateau Cheval Blanc e Chateau Petrus. A França concentra cerca de dois terços da produção mundial de Merlot. Fora dali, a casta espalha-se por todo o mundo, sendo digno de nota os Merlot chilenos, californianos e neo-zelandeses. A Itália tem feito boas combinações com a Sangiovese e na produção dos Supertoscanos.

Os apreciadores desse vinho não podem deixar de experimentar as versões francesas de Bordeaux (como Pomerol) e de Languedoc-Roussillon; as italianas da Toscana e da Campania; as da Califórnia, da Austrália, do Chile e da Argentina. Esses são, sem dúvida, os produtores dos melhores Merlot do mundo.

Região de Saint Émilion, na França, uma das maiores produtoras de Merlot do mundo

Região de Saint Émilion, na França, uma das maiores produtoras de Merlot do mundo

 

Hoje a Merlot pode ser encontrada em praticamente todos os países produtores de vinhos. Apenas as zonas mais quentes não são recomendadas. As principais regiões são:

França, Bordeaux (margem direita) – Destacadamente as sub-regiões de Saint-Émilion (60%) e Pomerol (80%). Produz os vinhos mais emblemáticos, históricos, é a melhor expressão.

França, Bordeaux (margem esquerda) – Principalmente a sub-região de Saint-Estephe. Produz vinhos elegantes em típico Corte Bordalês. Devido ao assemblage, os vinhos demoram mais para ficarem prontos e são mais longevos.

França, Bordeaux (outras regiões) – Produz vinhos menos complexos, mas com grande qualidade. Excelentes para se degustar sem ter de gastar fortunas.

França, Languedoc – Produz vinhos menos complexos e prontos para beber. Podemos dizer que são Merlots para o dia a dia.

Itália, Nordeste – Vinhos elegantes, diferentes e prontos. A qualidade varia muito, por isso é necessário prestar atenção ao produtor. A melhor região é o Friuli, onde os vinhos são varietais.

Itália, Toscana – Vinhos de grife, produz alguns dos Supertoscanos. Normalmente entra em corte com a Sangiovese e com a Cabernet Sauvignon. A sub-região de Maremma se destaca.

Portugal, Setúbal – Vinhos deliciosos, redondos e poderosos, que podem ser degustados jovens ou guardados por alguns anos. Normalmente se apresentam na forma varietal e com forte presença de madeira.

Estados Unidos, Califórnia – Vinhos estruturados, encorpados e longevos. Extremamente frutados e marcados pelas especiarias (varietais ou em corte). Alguns são fortes concorrentes dos melhores exemplares de Bordeaux. As melhores sub-regiões são: Napa Valley, Oakville, Stags Leap, Carneros, Mendocino, Dry Creek e Sonoma Valley.

Chile, Vale Central – Durante muito tempo se confundiu Merlot com a quase desaparecida Carménère. Nessa época usava-se o termo “Merlot Chileno”. Hoje, após a distinção, sabemos que o Chile produz bons Merlots, com um toque mais herbáceo e com madeira marcada. Vinhos encorpados e interessantes (varietais ou em corte).

África do Sul – Antes de 1980 não existia Merlot no país. O rápido crescimento foi impulsionado pelos excelentes resultados. Vinhos elegantes, potentes, alcoólicos e muito aromáticos. Pode ser varietal ou em corte e já estão prontos para beber.

Austrália – Representa apenas 3% da produção de vinhos. Porém, produz vinhos diferentes, com pouca fruta e aromas mais terrosos (varietais ou em corte).

Outras regiões:

Brasil e Uruguai também são bons produtores de Merlot. Em solo brasileiro, a casta produz tintos de diversas categorias e disputa com a Ca­bernet Sauvignon a posição de tinta mais importante do país. Os melhores Merlots brasileiros são provenientes do Rio Grande do Sul. Miolo e Casa Valduga, por exemplo, produzem vinhos de destaque: o Storia, da Casa Valduga, e o Merlot Terroir, da Miolo.

Na Espanha, onde Garnacha e Tempranillo do­minam, em três regiões é possível encontrar verda­deiros achados quando falamos de proeminentes Merlots. Navarra e Somontano são as duas primei­ras zonas de destaque. Já na Nova Zelândia, a cepa tem presença nas ilhas norte e sul. Os produtores de destaque no cultivo e produção de bons Merlots são Brookfiel­ds, Kim Crawford, Goldwater e Sileni.

Harmonização

Salentein Reserve Merlot 2011

Frios e queijos amarelos fazem uma boa harmonização com Merlot

O Merlot é um excelente vinho para se apreciar sozinho, sem acompanhamento de comida, pois é redondo, sedoso e aveludado.

No entanto, por se encontrar no meio-termo entre a leveza do Pinot Noir e a potência do Syrah, ele oferece inúmeras possibilidades de harmonização.

A seguir apresentamos algumas delas:

  • Terrines de especiarias ou ervas e patês em geral
  • Frios como salames, presunto de parma, copa e outros
  • Carnes semi-doces, como pato, coelho, peru, vitela, carne de panela, guisados
  • Cozinha árabe
  • Risotos de funghi, isca de carne, gorgonzola ou carne seca com abóbora
  • Escalopes com molhos clássicos (Madeira, Chateaubriand, Champignons, Roti e outros escuros)
  • Massas com molhos vermelhos, a base de carnes e gratinadas
  • Queijos cremosos, como brie e camembert, além de queijos amarelos como ementhal, gouda, gruyére, cheddar e parmesão

Por via das dúvidas, evite Merlot com peixes, folhas verdes cruas, e comidas picantes.

Curiosidades

Em uma degustação às cegas realizada em 2010, o Miolo Merlot Terroir 2005 foi escolhido, em Londres, como o melhor Merlot do mundo. O júri foi composto por 40 profissionais sommeliers e jornalistas, entre eles 15 profissionais do seleto grupo dos 280 Master of Wine. Além do Miolo Merlot Terroir, outros 16 rótulos nacionais competiram com vinhos de diversas regiões do mundo. Entre os dez melhores, oito foram brasileiros.

OS 10 MELHORES VINHOS MERLOT DO MUNDO – RANKING DE 2010

  1. Miolo Merlot Terroir 2005 – Brasil
  2. Thelema Merlot 2005 – África do Sul
  3. Pizzato Single Vineyard Merlot 2005- Brasil
  4. Vallontano Merlot Reserva 2005 – Brasil
  5. Concha Y Toro Casillero del Diablo Merlot 2006 – Chile
  6. Larentis Reserva Especial Merlot 2004 – Brasil
  7. Don Laurindo Merlot Reserva 2005 – Brasil
  8. Cavalleri Pecato Merlot Reserva 2005 – Brasil
  9. Michelle Carraro Merlot 2005 – Brasil
  10. Milantino Merlot Reserva 2004 – Brasil

Como falei no início do post, a Merlot é uma das minhas uvas prediletas, por isso já experimentamos diversos vinhos dessa casta. No entanto, ainda temos poucas avaliações de Merlots no blog. Veja algumas delas, tanto de varietais quanto assemblages:

Salentein Reserve Merlot 2011

Clos de Los Siete 2012

Piccini Memoro Italia

Lidio Carraro Grande Vindima Quorum 2006

Don Laurindo Assemblage 2009

Se você conhece algum desses vinhos, aproveite para deixar a sua nota no final do post, onde está escrito User Rating. É só clicar na quantidade de estrelas que deseja dar ao vinho.

Participe do nosso evento!

Agora que você já sabe um pouco mais sobre a Merlot, que tal participar do nosso evento da Confraria Viva o Vinho, de 29 de abril a 1º de maio? É muito simples, e totalmente gratuito:

  1. Se você ainda não faz parte do nosso grupo no Facebook, peça para entrar, clicando aqui.
  2. Depois de autorizado, entre no Evento #05 – Uvas Merlot e confirme sua participação, nesta página
  3. Todas as regras estão no nosso grupo, mas basicamente os participantes experimentam vinhos de uva Merlot durante o final de semana do evento, tiram fotos, postam na página do evento e fazem comentários a respeito dos vinhos que provaram. Também incentivamos que todos comentem nos posts dos colegas, aumentando a interação – e isso ajuda a conhecermos cada vez mais vinhos diferentes!

Se precisarem de qualquer outra informação, é só nos procurarem no grupo. Estamos sempre à disposição!

Convite 5º Evento Confraria Viva o Vinho

 

Comentários