Natural de Trás-os-Montes, Hernâni Magalhães adora um bom desafio e considera ser uma pessoa multidisciplinar. Apaixonado por química, física, história e tantas outras coisas, percebeu que trabalhar no mundo dos vinhos poderia revelar-se um sonho tornado realidade. No entanto, a produção de vinhos já era algo familiar, uma vez que os seus avós eram, também, apaixonados pelas vinhas e tinham o seu próprio projeto.

Hernâni Magalhães - Enólogo

Depois de alguma indecisão, Hernâni decidiu formar-se em enologia na UTAD e, desde então, vem superando todos os desafios que lhe são propostos. Enólogo há cerca de 20 anos, o seu percurso foi marcado por aventuras, experiências e diferentes realidades de produção.

Hoje, além de enólogo consultor, é também o enólogo responsável da Vinhos Franco, um pequeno produtor de vinhos do Tejo.

Vamos descobrir um pouco mais sobre a história de Hernâni? Acompanhe a nossa entrevista.

Quais são os projetos em que está trabalhando atualmente?

Atualmente trabalho com quatro ou cinco casas na região do Tejo e, inclusive, uma delas também tem vinhos da região de Lisboa. Além dos Vinhos Franco, faço vinhos no Casal da Fonte, na Herdade dos Templários — em Tomar —, na Casa José Repolho e, ainda, na Encosta da Vila, um projeto em Torres Vedras.

Como começou o seu percurso no mundo dos vinhos?

Nas aldeias pequenas quase toda a gente tem contacto com vinhos, mas nunca pensei que tivesse a possibilidade de embarcar numa aventura destas. Confesso que sou uma pessoa multidisciplinar, que gosta de história, química, física, entre outras coisas. No entanto, quando ingressei na universidade percebi que teria sempre de abdicar de alguma dessas coisas para poder escolher um curso. Na altura, não fazia ideia de que a UTAD tinha o curso de enologia como opção e, embora os meus avós produzissem vinho e vendessem uvas para a Adega Cooperativa, nunca coloquei essa hipótese porque realmente desconhecia. Vivíamos numa época em que se falava em Engenheiros Agrónomos ou então nos antigos Regentes Agrícolas, pois ainda não havia formação. Mas quando me deparei com enologia, percebi que o curso englobava todas as cadeiras que gostava e me permitia fazer uma carreira num setor que eu já estava um pouco familiarizado. Durante o curso tive a sorte de realizar um estágio nas Caves Velhas em Bucelas, junto de profissionais que me incentivaram a desenvolver ainda mais as minhas capacidades. Trabalhávamos vinhos de todas as regiões e isso possibilitou-me entender melhor os estilos de cada uma e, consequentemente, o mercado em si.

Há quanto tempo você trabalha em enologia?

Pelas minhas contas, já estou no ramo há cerca de 20 anos. Realizei o meu estágio em 2000 e a primeira vindima, na qual já era responsável, foi em 2001, nas Caves Velhas. Para um jovem de 20 anos foi extraordinário trabalhar numa região como Bucelas e numa empresa que movimentava cerca de 20 milhões de litros por ano. Fiquei lá até 2005-2006, pois, entretanto, as Caves Velhas foram adquiridas por um grupo que tinha várias adegas e surgiu a oportunidade de seguir outro caminho, além de ser somente o enólogo residente do grupo.

Hernâni Magalhães - Enólogo

E quando se tornou enólogo consultor?

Passei por várias casas antes de me tornar realmente enólogo consultor. Quis aprender um pouco mais e tive a oportunidade de trabalhar na Adega Cooperativa da Vermelha — trabalhar em uma cooperativa é algo que nunca tinha feito antes. Também fiz algumas vindimas em adegas de empresas particulares. Trabalhei, ainda, num produtor pequeno, no qual me deparei com a realidade de produções reduzidas, em que éramos capazes de produzir cerca de 100.000 mil litros de vinho. Por acaso, foi a partir daí que surgiu a oportunidade de começar a fazer consultoria e os pedidos foram acumulando-se ao longo do tempo.

Você passou quase toda a sua vida produzindo vinhos do Tejo. Para você, o que define um vinho dessa região?

Quando faço vinhos no Tejo, procuro equilíbrio e uma certa adaptação gastronómica também. Isto porque é assim que eu vejo e interpreto a região. O Tejo consegue ter concentração de álcool e de compostos de cor e aromas, mas também uma acidez interessante que faz com que o todo o conjunto do vinho possa ser equilibrado. No que diz respeito ao terroir, conseguimos ser bastante diversificados. Temos a influência marítima que traz frescura aos vinhos da zona mais costeira, assim como temos solos xistosos na zona de Tomar que acabam também por marcar a frescura do vinho. Para mim, os vinhos do Tejo são o reflexo da personalidade de várias castas que se adaptam aqui muito bem, mas acima de tudo são vinhos muito equilibrados e com grande potencial.

Como você vê a evolução da região ao longo dos anos?

Acho que a região ainda tem muito para ser estudada e precisa de novos projetos para mostrar a sua personalidade. Há novas vinhas, há novos produtores, as adegas já se desenvolveram e a viticultura tem vindo a desenvolver-se bastante nos últimos tempos. Penso que estamos a percorrer um caminho de mudança, especialmente a mudar a filosofia de quantidade para qualidade. Além disso, é importante refletir que o Tejo é uma das regiões mais internacionais do país, sendo que possui as mais diversas castas e foi, sem dúvida, uma porta de entrada para muitas delas.

Na sua opinião, qual o papel do enólogo na produção de um vinho?

Costumo dizer que somos como um maestro a trabalhar com a sua orquestra. Temos profissionais de elevada categoria a tocar cada instrumento que, no caso do vinho, são as uvas, e depois temos o maestro que tem apenas de conduzir todo o processo. Para isso, é preciso conhecer a obra, os artistas e fazer a sua interpretação. Enquanto enólogos temos de saber pegar numa vinha ou num terreno, saber o que se pode produzir ali e tudo o que antecede a escolha das castas, das vinhas e do próprio local. A partir daí precisamos entender o que cada uma é capaz de fornecer e expressar tudo isso numa garrafa. Da minha parte, sempre com o cunho do produtor. Faço sempre questão que o produtor me acompanhe na prova e vá percebendo a evolução da uva a nível gustativo ao longo da maturação. Tento sempre passar aquilo que eu acho que vamos produzir a partir daquelas uvas e, por sinal, é assim que muitas vezes mudamos a filosofia por trás da plantação de uma certa vinha. É importante que eles sintam que fazem parte dessa decisão.

Qual o seu estilo de vinho? O que você gosta mais de produzir?

Cada vinho tem o seu momento. Para mim, um tinto com muita concentração é inconcebível durante o tempo de calor. Um branco ou um rosé faz muito mais sentido. No que toca à produção, gosto de produzir aquilo que ainda não se fez nas adegas. Gosto de descobrir algo na vinha e depois implementar em adega. Dá-me prazer criar um novo produto ou uma nova forma de abordar os vinhos. Pode ser um branco, um tinto ou um rosé, mas gosto de desafiar os produtores a tentar fazer algo que nunca tenhamos feito, algo diferente.

Hernâni Magalhães - Enólogo

Qual a sua fonte de inspiração?

Tem tanta coisa… pode ser um vinho que provei, uma imagem que vi… E depois vou à vinha e procuro na vinha essas sensações. Por outro lado, gosto bastante de fazer provas com os consumidores, quando ninguém sabe quem eu sou. Faço pequenas brincadeiras e levo garrafas não identificadas ou troco os vinhos para depois ver o que as pessoas me transmitem. Gosto de ouvir e tentar interpretar a informação, porque nem sempre aquilo que dizemos é aquilo que sentimos. Por exemplo, um vinho que seja muito redondo e encorpado, muitas vezes as pessoas dizem-me que são vinhos doces. A partir daí tento encontrar uma solução para aquilo que me transmitem que gostam, dentro da tipicidade daquilo que é normal nas adegas. Também posso dizer que não me inspiro em novas tendências, mas é uma questão de personalidade. Procuro algo que, apesar de ser diferente na adega, não fuja à personalidade da região e do produtor.

Tem alguma história curiosa de algum vinho que já produziu?

Não me recordo ao certo se foi em 2001 ou em 2003, mas fiz um vinho com umas uvas de Alpiarça que superou todas as expectativas. Era uma vinha de Castelão e, por norma, a Castelão sofre muito de baguínha — as uvas amadurecem, mas não ganham volume. Quando fomos fazer a vinificação, decidimos separar aquilo que estava nas condições ditas normais, das partes que tinham ganho a tal baguínha. Na altura tínhamos uma parceria com uma casa que depois comercializava o vinho. Não estava dentro dos planos dessa casa e da marca ter um vinho reserva, mas fizemos um vinho somente com essas uvas menores que teimou que tinha de ser um Reserva, porque a qualidade estava muito acima do esperado. Não tínhamos a menor ideia que era possível fazer tal vinho e com tamanha qualidade.

Se você tivesse de produzir vinhos fora de Portugal, tem alguma região onde gostaria de trabalhar?

Talvez um sítio onde a vinha estivesse pouco ou nada implementada, de modo a tentar perceber o que se poderia fazer. Tentar entender os diferentes estilos de cada região é possível, mas desafiar-se a fazer algo que nunca foi feito e ultrapassar os nossos limites, para mim isso era muito interessante. Se me falarem em Rioja ou Bordeaux eu talvez não fosse por aí… Talvez gostasse mais de Inglaterra, uma vez que andam a experimentar uns espumantes muito engraçados. Há uns anos não conseguia ver Inglaterra a produzir uva e agora está a produzir e com alguma qualidade. E é engraçado ver Inglaterra agora a produzir espumantes, visto que passaram sempre muitos anos em disputa com a França. Mas por acaso, o primeiro registo de uma espumantização não ocorreu em Champagne, mas sim na Academia de Ciências de Inglaterra. É muito curioso.

“Costumo dizer que somos como um maestro a trabalhar com a sua orquestra.”

Qual o projeto que foi o maior desafio para você?

Com 20 anos abraçar uma casa a produzir milhões de diferentes regiões do país, confesso que esse foi sem dúvida o meu maior desafio. Na altura já achava um desafio enorme, mas hoje começo a ver que foi uma aventura em que tudo poderia ter corrido mal. Não necessariamente na enologia, mas no geral. Até mesmo na promoção. Nós comprávamos uvas a todas as regiões do país e muita coisa poderia ter corrido mal. Mas depois, penso que lançar-me na consultoria também foi outro grande desafio para mim. É um trabalho em que é preciso transmitir confiança aos colaboradores e acreditar naquilo que eles fazem, ao ponto de criar uma simbiose ou uma parceria entre todos e que funcione bem. A relação humana é, de fato, um grande desafio.

Qual o conselho que você daria para quem está começando na enologia?

Diria que é preciso estudar muito, trabalhar muito e questionar muito. Mas também para diferenciarem o que é marketing e discurso promocional, daquilo que é a realidade e o trabalho em adega. O vinho tem todo o glamour a partir do momento em que está engarrafado, mas o trabalho na vinha é um trabalho sujo e de grande esforço físico. E é preciso testar, provar e experimentar diferentes estilos, mas acima de tudo é preciso não ter medo de errar. Se não errássemos, talvez não teríamos alguns dos vinhos mais emblemáticos do mundo.

E o que vem por aí? Quais são as novidades?

Nos Vinhos Franco, temos algumas novidades. Vamos ter o primeiro monovarietal de Syrah — resultado de mais uma aposta feita na vinha. Foi um vinho que ganhou o prémio de Melhor Vinho no concurso de Vinhos do Tejo. Aliás, ele ganhou três prémios nesse concurso e ainda se encontra em estágio. Além dele, vamos ter também um D.O. de umas vinhas velhas. Vamos experimentar algumas coisas com castas brancas que ainda não estão muito estudadas, mas não sei quando irá acontecer.

Hernâni Magalhães - Enólogo

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