Monção é sua terra natal, mas nem sempre os vinhos foram sua vocação. Apesar de viver em uma região vinícola e sua família produzir algum vinho, Élio Barreiros só conheceu realmente o mundo da enologia após ter cometido um erro nos formulários de ingresso na Universidade. Desde então, esse mundo dos vinhos tem sido uma aprendizagem constante e ele não se imagina fazendo outro trabalho.
Seu percurso começou por engano, mas não poderia ter sido de outra forma. Foi na Universidade — em sua primeira experiência em vindima — que Élio nutriu a verdadeira paixão pelo mundo dos vinhos. Conta-nos que, em suas primeiras provas, seus colegas partilhavam que seu jeito para a área era realmente natural.
Desde esse momento, já esteve na Nova Zelândia, trabalhou alguns anos na Churchill’s e, finalmente, em 2016, decidiu regressar à terra natal e começou a trabalhar nas Quintas de Melgaço, onde permanece até hoje.
Nem sempre podemos combater aquilo que estava destinado, não é verdade? Foi isso mesmo que aconteceu com Élio — o enólogo que queria estudar Desporto.
Vamos descobrir mais sobre essa história? Acompanhe a entrevista!
Como você começou na Enologia?
Eu nem tinha conhecimento de que havia gente que estudava para fazer vinhos. Não passava sequer pela minha cabeça. Como sou de Monção e aqui existe vinho – sempre existiu – tínhamos a consciência de quando chegava a altura das vindimas, mas pouco mais do que isso. Víamos, por aqui, os grandes tratores a passar e toda aquela gente, mas nunca me despertou muito a atenção. Em casa também produzíamos o nosso vinho em família, particularmente o meu avô, mas nunca tive aquilo de “o chamamento”.
Mas quando entrou na universidade tudo isso mudou, certo?
Sim, quando chegou o momento de ingressar no curso comecei a ter conhecimento da realidade que me rodeava. Quando entrei na faculdade realmente comecei a abrir os olhos para todo o processo que é encantador e que gosto imenso. Inicialmente queria seguir a área de Desporto, mas quando chegou a altura de preencher os formulários, enganei-me e acabei por entrar em enologia. Comecei a tomar gosto pelo curso, fazíamos as provas e o pessoal dizia que eu até tinha algum jeito para aquilo. Fui ficando, fui gostando e agora não me vejo a fazer outra coisa. Nós como estudantes – em setembro – temos a oportunidade de ir para a vindima e isso fez com que despertasse ainda mais o meu interesse neste trabalho. Além de ser duro, é apaixonante. Temos de ter a noção de que um miúdo com 20 anos chega a uma adega e não percebe nada daquilo, mas a vontade de fazer é tanta que se consegue tudo. Foi isso que aconteceu comigo, quando fiz a minha primeira vindima reparei que realmente poderia ir por esse caminho. Desde então, tem sido uma aprendizagem constante. Todos os anos estamos a aprender.
Como tem sido sua trajetória profissional desde então?
Fiz o meu primeiro estágio na vindima em 2007, aqui em Monção – no Solar do Serrade. Depois, enquanto estava na faculdade, fui para o Douro onde fiz a minha primeira vindima na Quinta do Farfão. Durante esse tempo já me encontrava a trabalhar como intermediário para a Churchill’s e onde fui permanecendo devido à paixão que nutri pela marca — estive lá de 2008 até 2016. No ano de 2012 foi quando comecei a trabalhar efetivamente para a empresa, mas em 2016 voltei para Monção – a minha terra – onde fui trabalhar para as Quintas de Melgaço. Também em 2012 fiz uma vindima na Nova Zelândia. Resumindo, estive um bocadinho ligado aos vinhos do Porto e aos vinhos do Douro, e agora encontro-me com um desafio diferente: voltei à casa para fazer parte de uma empresa que quer dar um salto em termos qualitativos. A Quintas de Melgaço vem melhorando cada vez mais a qualidade de seus vinhos, e foi nesse sentido que abracei o projeto.
Quais são as castas que você gosta mais de trabalhar?
Eu não vejo tanto por castas, costumo olhar mais para o terroir e prefiro trabalhar tudo o que ele me dá. Independentemente da casta, tento sempre explorar o máximo de uma casta num determinado terroir. Trabalho muito aqui em Monção e o Alvarinho – a jóia da coroa – é realmente a casta que mais se encontra por aqui. Mas sou apaixonado por Sauvignon Blanc, Chardonnay, Pinot, Touriga Nacional, entre outras. No fundo, não há uma casta que me fascine mais que as outras. Acho que cada uma tem o seu momento e cabe a nós saber interpretá-lo de acordo com o terroir onde ela está inserida. Acho que isso é o mais importante.
E qual é o seu estilo de vinho?
Gosto de um vinho rico em estrutura e volume, mas sem dúvida que aquilo que me apaixona num vinho é estudá-lo. Quando provo um vinho, gosto de perceber como ele é feito, por exemplo, se no caso de um branco teve muita batonagem ou não; se um tinto foi feito com engaço ou sem engaço… prefiro desmontar sempre toda a situação até perceber como ele foi feito. Mas posso dizer que o estilo do Élio é um estilo seco, mais encorpado e com algumas características mais vis.
Durante a elaboração de um vinho, qual a decisão que você acha mais difícil de ser tomada?
Quando nós estamos a fazer vinho, as decisões mais difíceis são sempre aquelas que temos de tomar no momento. E temos de as tomar, não podemos adiá-las. Como me ensinaram: pior do que tomar uma decisão errada, é não tomar nenhuma decisão. Nós com o vinho funcionamos muito à base disso. Durante a vindima – um período muito estressante – nós temos de tomar as decisões que nos vão valer para o ano. Temos de ter sempre prevenção e tentar eliminar problemas antes que eles aconteçam. Acho que é isso que faz a diferença em fazer bons vinhos. Isto é, não esperar que aconteçam os problemas, mas efetivamente prever para que eles não cheguem a acontecer. Acho que esse é o maior desafio da enologia: prever os acontecimentos negativos e minimizar problemas.
Que tipo de problemas podem acontecer durante a produção de um vinho?
São tantos, talvez até milhares. Por exemplo, uma cuba aumentar a temperatura e ficar fora de controle; uma decantação que corre mal e que resulte num vinho muito sujo; uma fermentação de tintos com temperaturas elevadas; o fato de não inocular; a fermentação não terminar… Há milhares de formas de estragar um vinho, por isso digo que é preciso estarmos muito atentos para que, caso este tipo de coisas aconteça, possamos minimizá-las.
Em qual fase da produção você acha que o trabalho do enólogo é fundamental?
Eu acho que o trabalho do enólogo é sempre fundamental. Nós temos de estar sempre em cima de todos os momentos, pois se nos faltar um vamos ter problemas. Mesmo na vinha, devemos procurar ir lá perceber qual o estado da uva para que, no momento em que chega à adega, nós sabermos perfeitamente o que vamos encontrar. Isso ajuda-nos a minimizar os tais problemas que referi anteriormente. Um enólogo deve estar sempre presente em todos os momentos e estar atento a tudo o que se passa à sua volta. Só assim poderá tomar as decisões que nos levam a fazer os vinhos melhores.
E em que você se inspira para produzir seus vinhos?
Sinceramente é uma boa pergunta. Nunca tive uma fonte de inspiração que eu diga “faço isto por causa disto”. Faço isto por prazer e por gosto. É isso que me faz acordar todos os dias de manhã para ir para a adega. O que me faz movimentar é a paixão e o gosto por fazer vinhos e por fazer melhor e tentar ir mais à frente.
Tem alguma história curiosa de algum vinho? Alguma coisa que tenha acontecido e o tenha marcado?
Talvez possamos falar deste último vinho que fizemos – o Alvarinho Chardonnay. Na fase inicial, pensámos em fazer um Alvarinho e um Chardonnay, ou seja, fazer dois monocastas. Mas não foi nada disso que acabou por acontecer… Os meus vinhos são sempre provados em prova cega para que não haja qualquer tipo de influência, isto porque não me interessa saber o que está ali, mas sim provar. Acontece que pedi para me tirarem as amostras para fazer o tal vinho Alvarinho. Eu comecei a provar o vinho e começamos a tentar adivinhar que tipo era cada vinho, mas afinal estava tudo misturado. Acabei por fazer um lote em que juntei os dois, sem ter a certeza que lá estava o Chardonnay. O resultado acabou por ser fantástico.
Tem alguma sugestão de harmonização que gostasse de partilhar?
A harmonização parte muito do meu gosto pessoal, mas gosto muito de beber o Homenagem com cabrito. Gosto imenso porque o vinho é forte e intenso e dá-nos sempre coisas diferentes. É um vinho que apesar de ser sempre o mesmo, revela-nos coisas diferentes em cada prova. E também gosto muito de espumante com qualquer coisa, seja carne ou peixe.
Se você fosse produzir seus vinhos fora de Portugal, onde você gostaria de ir?
Talvez a Nova Zelândia porque já lá estive e gostei muito do país. Mas no que diz respeito aos vinhos, escolheria a Sancerre – em França. É um sítio maravilhoso para produzir vinhos e tem muita história. Mas falando em Portugal, não faria vinhos em outra região senão Monção e Melgaço, porque estou a fazer história nesta região.
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