Nasceu em Lisboa, mas sua infância foi passada correndo entre os vinhedos da quinta de sua família. A enologia não foi sua primeira opção, mas suas raízes falaram mais alto. Depois de um desvio pelo caminho da Engenharia Civil, Patrícia Carvalho decidiu voltar ao campo e abraçar um projeto que sempre acompanhou de perto.
A Quinta da Ponte Pedrinha — situada na região do Dão e na sub-região da Serra da Estrela — está presente na sua família desde o século XVIII. Seu avô foi pioneiro na mecanização da vinícola e Patrícia sempre acompanhou de perto todo o seu trabalho. Felizmente, acabou se apaixonando por esse mundo e retomou as rédeas desse projeto único e especial.
Hoje, assina como Patrícia Osório Carvalho, de forma a manter viva a ligação às suas origens e à Quinta onde cresceu.
Acompanhe nossa entrevista e descubra tudo sobre Patrícia Carvalho e a Quinta da Ponte Pedrinha.
Como você começou na enologia?
A minha carreira na enologia foi, de alguma forma, um bocadinho natural embora não tenha sido o meu início profissional. Sempre foi uma área que gostei muito e já tinha ligação com as vinhas – a quinta pertence à minha família desde o século XVIII. Foi passando de geração em geração. O meu avô modernizou a vinha quando ela ainda tinha os famosos carros de bois. Ele foi o primeiro a tentar implementar os tratores na quinta e começou por arrancar algumas carreiras da vinha, e as pessoas acharam aquilo um disparate completo. É uma história muito engraçada e sempre acompanhei tudo de perto. Por isso, sempre tive muita ligação com esse ambiente. Eu e os meus irmãos passávamos as férias na quinta e andávamos por lá a observar todo o processo. Na altura que tinha de começar a trabalhar quis ficar por Lisboa e resolvi tirar o curso de Engenharia Civil – nada tem a ver com vinhos. Trabalhei na área cerca de 18 anos e mais tarde – quando as raízes chamaram por mim – decidi ir estudar enologia e viticultura para o ISA (Instituto Superior de Agronomia). Agarrei este projeto que já existia e estou com ele há quase 10 anos. Foi assim que descobri realmente o meu lugar.
Quais são as principais mudanças que você nota com as alterações climáticas na vinha?
Para já, a falta de água. É extremamente condicionante. Tenho pelo menos 20 hectares preparados para fazer rega gota-a-gota. Até agora nunca precisei de o fazer, mas acredito que dentro de alguns anos se vai tornar necessário. Depois, um calor excessivo e seco que não é propriamente o que estávamos habituados e a planta acaba por se ressentir. Tem de haver uma adaptação das práticas de viticultura, principalmente das intervenções em verde, como não fazer a desfolha, proteger mais a vinha e deixar mais ramificações. Há várias coisas que temos de ter cuidado, por exemplo, as mobilizações de ferro. Há todo um reinventar, partindo das bases, mas temos de alterar um pouco aquilo que era padrão. É preciso observar quando é a altura certa para se proceder ou até mesmo não proceder. Sou também da opinião que muitas castas vão deixar de existir devido a estas alterações, pois não são tão resistentes as estas alterações. Já não estão adaptadas a estes climas. É preciso reinventar a produção.
Quais são as castas que você considera mais sensíveis?
Acho que o Dão ainda está mais favorecido em comparação com outras regiões. Sem dúvida que vão criando características diferentes, mas ainda assim considero que são bastante resistentes. Estamos a falar de uma região que possui castas como a Touriga Nacional ou a Tinta Roriz que são castas naturalmente resistentes. O que pode ser necessário é haver mais cuidado da nossa parte. Haver um cuidado extra com a vindima, na altura da colheita, por exemplo, ou mais cuidado a protegê-las com as próprias folhas. Talvez mais para o sul, acredito que haja castas mais difíceis de manter. Isto porque essas castas, com estas alterações, não têm a base certa para amadurecer. É, neste sentido, que digo que devemos ter um cuidado constante na vinha. O meu lema sempre foi: muito cuidado na vinha e menor intervenção na adega. Por isso é que os vinhos da Ponte Pedrinha acabam por ser vinhos muito autênticos e tradicionais, não se notando algo que não seja da própria vinha.
E quais as castas que você gosta mais de trabalhar?
Acho que cada uma tem a sua beleza, são todas diferentes e não consigo escolher uma em específico. As castas são um bocadinho como os filhos, não dá para escolher qual se gosta mais. Mas no que toca a trabalhar brancos e tintos, gosto muito mais de trabalhar tintos. Dá-me muito mais prazer, acho que é um trabalho mais complexo. Os brancos são mais sensíveis e os tintos dão-nos muito pano para mangas, gosto muito mais de trabalhá-los. Há muitas mais formas de brincar com eles e na vindima.
Qual é o seu estilo de vinho?
É um estilo extremamente clássico e muito tradicional. Costumo dizer que as modas vão e voltam. Mais aromáticos e mais leves, mas os vinhos da Ponte Pedrinha continuam sempre com o mesmo estilo – tradicional. Temos madeira apenas num vinho – o Reserva – mas tudo o resto não tem. É um vinho com um ano de estágio em barrica de carvalho francês, com uma parte de Vinhas Velhas, Touriga Nacional, Alfrocheiro e Tinta Roriz. A nossa entrada de gama apresenta as castas típicas do Dão – Alfrocheiro, Tinta Roriz, Touriga Nacional e Jaen. No fundo é uma espécie de montra do que são os vinhos do Dão, pois tem as castas principais. É um vinho fácil de acompanhar e de se beber em qualquer altura. Acaba por ser muito frutado e fresco. Depois, temos a Touriga que também não tem madeira, com o objetivo de conseguirmos perceber a verdadeira essência da casta, ou seja, o que é a Touriga e o que está na vinha. A Touriga é a nossa casta mãe, por isso faz todo o sentido colocar na garrafa tal e qual como está na vinha. Não há nenhum vinho nosso que não tenha Touriga Nacional.
Pode falar-nos um pouco sobre seu vinho com 18 castas diferentes?
Sim, o Branco Vinhas Velhas. É proveniente de algumas das vinhas velhas plantadas – e arrancadas carreira sim, carreira não – pelo meu avô. Foi um vinho que fiz pela primeira vez em 2017 e foi lançado este ano. Era uma vontade que já tinha há algum tempo e na minha cabeça achava que após a fermentação seria um vinho que iria estagiar cerca de 6 meses em barrica de carvalho francês isolado. Essa era a minha ideia inicial, mas acontece que a fermentação começou a decorrer de uma forma fantástica e percebi que não precisava de barrica nenhuma. As castas sozinhas fizeram todo o trabalho devido a todo o seu potencial. Em 2017 saíram cerca de 5.000 garrafas e, entretanto, já fiz o de 2018.
Durante todo o processo de elaboração de um vinho, qual a decisão que você acha mais difícil de ser tomada?
Eu não acho que nenhum processo seja difícil. Não estou a dizer que é fácil, mas não vejo algo que assuma grande dificuldade. Acho sim que há processos que requerem mais atenção. Sem dúvida que uma dessas alturas é a vindima, porque ali qualquer hora conta. Desde a hora da remontagem, a hora em que vai ser inoculado. É uma altura em que o tempo conta e temos de andar sempre em cima do acontecimento. Só consigo fazer o plano de cada cuba durante a vindima quando está a fermentar, muitas vezes 12 horas antes. É muito de observação, muito experimentar e ver como está a correr. Portanto, não acho que seja difícil, mas precisamos de mais cuidado e mais atenção. Se queremos realmente fazer vinhos diferentes, temos de o respeitar e não tentarmos sobrepor-nos ao vinho.
Dos vinhos que você já produziu, há algum que tenha marcado mais?
Ultimamente, o que me marcou bastante foi o Vinhas Velhas Branco. Foi uma grande surpresa. Depois, talvez os Vinhas Velhas – tenho um carinho muito especial por esses vinhos. São vinhos que contam história e são sempre diferentes de todos os outros. Mas no fim, todos os vinhos me dizem alguma coisa, pois não consigo imaginar fazer um vinho que não me diga nada. Acabo sempre por me relembrar de alguns momentos e conto para mim todo o percurso de todos os lotes com que trabalho.
Qual é a sua maior fonte de inspiração?
Acho que vem muito da tradição familiar, muito mesmo. Vem da forma como a Quinta surgiu e tudo aquilo que significa para mim e para os meus irmãos. Já para não falar de toda a paisagem ali inserida. É história, é tradição e é família acima de tudo.
E o que vem aí? Quais são as novidades?
Vamos ter as nossas novas colheitas, um novo Reserva, uma nova Touriga e um novo branco. Há de sair, também, em breve, o novo Vinhas Velhas Branco. E depois… vamos ver. Ando aqui a magicar um tinto diferente, mas ainda está em estudo!
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