Na estreia da nossa seção Conversa com o Enólogo, tivemos o prazer de falar com Rui Carrelo, enólogo da Gerações de Xisto, uma fusão de dois projetos nomeados Chousas Nostras e Vale Dona Amélia, que resgata as tradições regionais e o amor pela agricultura. Essa feliz união rendeu 90 pontos no concurso Ultimate Wine Challenge para os vinhos Gerações de Xisto Branco e Gerações de Xisto Tinto. A vinícola produz hoje 10 a 15 mil litros de tinto e 5 mil litros de branco.
Nascido em Viana do Castelo, no extremo norte português, Rui conta que o projeto valoriza a região onde as vinhas se localizam. É possível perceber o quanto a enologia o encanta, e como lhe dá gosto a curiosidade sobre o potencial das castas. Aliás, Rui classifica o gosto pelo trabalho como uma das principais qualidades que um futuro enólogo deve nutrir para se manter na profissão. Um pequeno spoiler: não é preciso ser herdeiro de quintas para ter sucesso nessa área!
Confira abaixo nosso bate-papo!
Por que você escolheu Enologia?
Minha irmã estava a estudar na Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro e me falou deste curso como sendo um que tinha muita saída. Eu não tinha muita ligação com os vinhos, o que tinha era por parte dos meus avós, visto que eu vivia junto ao mar. Mas quando minha irmã me falou sobre o curso, achei interessante e entrei em 2004. Fiz as disciplinas no primeiro semestre e logo no início do segundo temos o estágio de vindima. Essa experiência me levou a gostar da enologia.
Quer dizer que a Enologia lhe caiu por acaso e acabou gostando?
Isso mesmo, porque eu não era uma daquelas pessoas que tinha uma quinta dos pais ou avós, e que me motivasse a querer fazer alguma coisa por isso. Apenas entrei no curso, gostei da experiência e continuei.
O que te motiva a continuar na Enologia hoje?
O que eu mais gosto é a capacidade e a diversidade que existem na produção de vinhos. Tenho gosto de ver a pessoa provar algo que eu produzo, e ver a alegria das pessoas. Isso é um dos principais fatores que me levam a continuar e a gostar muito daquilo que eu faço. Realmente, para trabalhar neste ramo a pessoa tem que gostar muito do que faz. Há um milhão de formas de produzir vinhos, gosto de fazer uma experiência com uma casta, outra experiência com um tipo de levedura…
Tem alguma casta que você mais gosta de trabalhar?
No caso dos brancos gosto muito da Rabigato e da Côdega de Larinho porque produzem vinhos característicos da nossa região. A Rabigato é uma casta que estava em desuso e voltou com a evolução dos vinhos brancos no Douro, que só começaram a ser frescos e com teor alcoólico mais baixo há alguns anos. A mineralidade, acidez e equilíbrio desta casta é o que me faz gostar tanto dela. Já a Côdega do Larinho produz vinhos um pouco diferentes, muito aromáticos. Já em relação às castas tintas, gosto muito de Touriga Nacional, mas a minha predileta é a Touriga Franca. Na minha experiência, é uma casta mais completa em termos de diferenciação nos vinhos. Acho que origina vinhos mais sérios, com uma capacidade de envelhecimento bastante elevada e com estrutura diferente da Touriga Nacional.
Se você tivesse que definir, qual seria o seu estilo de vinho?
No caso dos brancos, vinhos bastante frescos, não com tanta madeira, com alguma estrutura e um pouco de volume de boca. O meu objetivo nos vinhos brancos é que eles sejam consumidos tanto com comida quanto ao final da tarde, sem comida nenhuma, ao ver o pôr do sol, ao ar livre… No caso do vinho tinto, aprecio um bom vinho fresco, levemente estruturado, não daqueles antigos, muito calorosos, muito quentes. Hoje os vinhos mais frescos estão em evidência. Meu perfil é mais este, vinhos que têm capacidade de satisfazer tanto um bom prato de comida, com bastante gordura e até uma boa carne, como também consumidos ao final da tarde entre amigos com petiscos simples. É essa polivalência que eu admiro em um vinho.
Agora, falando no processo de elaboração de um vinho, qual é a decisão mais difícil?
A decisão mais importante é a decisão da apanha da uva, dizer o dia em que vamos colher. Independentemente dos controles de maturação que são feitos, a decisão de apanhar as uvas naquele dia é de grande responsabilidade porque influencia o processo futuro da produção dos vinhos. Depois, dentro da adega, é respeitar o que a uva oferece. Uma boa uva, com bom desenvolvimento na vinha, dificilmente origina maus vinhos.
Qual a sua sugestão de harmonização mais curiosa, fora dos padrões?
Eu gosto muito do nosso vinho branco com sushi. A gordura do peixe — muitas vezes peixe de profundidade e de águas frias, como o salmão ou robalo — casa muito bem com a acidez do nosso vinho. A harmonização do nosso vinho branco com o sushi ou com peixe cru é muito bem-feita. E o nosso tinto, principalmente o Vale Dona Amélia, harmoniza muito bem com chocolate. Adoro, em uma noite de inverno, à beira da lareira, um copo de Vale Dona Amélia e cubinhos de chocolate preto.
Se você tivesse que produzir os seus vinhos fora de Portugal, que região você escolheria?
Já produzi vinhos na Nova Zelândia e seria uma segunda oportunidade de fazer lá os vinhos. Não só pelos brancos, que são famosos, mas pela capacidade que teria em fazer lá os tintos com Pinot Noir.
De todos os vinhos que você já criou, qual o seu preferido?
Cada vinho é um vinho. É difícil dizer que é este ou aquele. Fiz um estágio na Herdade do Esporão, e lembro muito bem que produzimos, na altura, o Monte Velho 2008, que ficou na memória. Também fiz vinhos na Churchill Port’s, e eles tem lá o Quinta da Gricha. São vinhos que ficam sempre na memória, mas escolher um deles é muito complicado. Talvez eu escolheria o Vale Dona Amélia 2012… Talvez.
Qual é a sua dica para quem quer entrar na enologia ou para os novos profissionais?
É preciso gostar muito daquilo que se faz. É um trabalho em que não há horários, sobretudo na época das vindimas.
Você se inspira em algum enólogo?
Sim, meu professor com quem aprendi muito: João Brito e Cunha.
E o que vem por aí, quais são as novidades?
Estamos com vontade de brincar um pouco com os brancos e experimentar as uvas que temos nos mortórios. Temos algumas videiras pré-filoxera e a minha curiosidade é fazer uma microvinificação daquelas vinhas para ver o que é que aquilo origina. Essa é, acho, a maior experiência que vamos fazer neste ano.
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