Natural de Faro, no Algarve, André Palma é apaixonado por vinhos e desafios. A enologia nem sempre esteve nos seus planos, mas acabou por se tornar em algo que faz com o maior dos prazeres. Atualmente, vive em Resente, no norte de Portugal, e é enólogo na A&D Wines.
André licenciou-se em Engenharia Alimentar e logo depois de terminar o curso decidiu tirar um ano sabático para descobrir o que realmente queria fazer. Nesse mesmo ano, fez uma visita ao Douro que acabou por mudar a sua vida. Regressou a Lisboa e especializou-se em enologia e viticultura no ISA (Instituto Superior de Agronomia).
Desde então, percorreu alguns dos melhores locais do mundo para se dedicar à arte de produzir vinhos. Passou pela Califórnia — onde viveu e trabalhou durante um ano — e seguiu para França (Côte du Rhône) e para o Chile (Santa Catarina). Hoje, conta-nos a sua história e fala-nos sobre o seu percurso no mundo dos vinhos, repleto de aventuras e desafios.
Vamos conhecer um pouco mais sobre o André? Acompanhe a nossa entrevista.
Como você começou na enologia?
Tirei uma licenciatura em Engenharia Alimentar no Algarve e foi um pouco por acaso. Na altura saí do secundário, não sabia muito bem o que seguir e fui para a Engenharia Alimentar. Acabei por gostar e fiquei até terminar o curso. Mas como essa é uma área muito vasta, decidi tirar um ano sabático para entender no que me queria especializar. Confesso que já tinha na mente a enologia e, nesse verão, fiz uma visita até ao Douro que acabou por me convencer a ir tirar o mestrado em enologia e viticultura no ISA — onde fui colega de turma da Patrícia Carvalho. Durante o curso fiz a minha primeira vindima no Douro na Secret Spot Wines. Depois realizei a minha tese sobre rega na Herdade do Esporão, no Alentejo. Quando acabei o mestrado, fui fazer vindima em Terras de Alter e acabei por ficar lá quase dois anos. Posteriormente, arranjei um estágio na Califórnia, onde trabalhei e vivi durante um ano. Passada essa experiência, segui para Côte du Rhône onde estive a trabalhar durante seis meses. Em fevereiro desse ano, fui também para o Chile para a adega de Santa Catarina. Em dezembro de 2017 iniciei o meu trabalho na A&D Wines, onde permaneço até hoje.
Qual a diferença de produzir um vinho em países como o Chile ou França, em relação a Portugal?
Essencialmente, podemos fazer uma diferença entre o Novo Mundo e o Velho Mundo. Talvez entre em Portugal e França, as diferenças não são tão óbvias. Mas em países como o Chile e, até mesmo, na Califórnia, há uma outra ideia de trabalhar o vinho. Eu costumo dizer que na Europa, mais que um negócio, o vinho é também uma paixão e uma tradição. Lá fora, é praticamente somente um negócio. Um exemplo muito comum disso é que na Europa se tenta fazer vinhos muito bons e depois tentar convencer as pessoas a comprá-los; no resto do mundo, procura-se saber o que as pessoas apreciam e produzir de acordo com isso. Aqui, é quase como se a enologia falasse mais alto. Nesses países, o foco é mais o marketing e a comercialização. A nível de tecnologias também há algumas diferenças, mas hoje em dia já importamos algumas técnicas modernas do Novo Mundo. Para mim, a principal diferença é mesmo a filosofia de trabalho.
E você se identifica mais com a filosofia do Velho Mundo?
Eu acho que me encontro a meio caminho. Acho que devemos tentar fazer os melhores vinhos possíveis, mas também é preciso ver o que o mercado procura e tentar adaptar-nos. Não é fazer um grande vinho e depois ir à procura de quem o queira comprar, mas também não podemos fazer somente aquilo que o mercado quer. Devemos tentar fazer as duas coisas, por isso acho que o ideal é mesmo o meio termo.
E qual você acha que é a tendência do mercado atualmente?
Sem dúvida que os vinhos mais leves e frescos são os mais procurados pelos consumidores. No caso dos tintos, procura-se muito vinhos com menos álcool e vinhos mais suaves. Penso que os rosés também estão sendo mais valorizados. Há alguns anos era quase um subproduto para muita gente, mas hoje em dia já começam a ver o potencial e já atinge um volume de mercado bastante significativo, por exemplo aqui na Região dos Vinhos Verdes. A nível dos brancos, acho que também se começa a ter mais interesse em vinhos diferentes e não simplesmente aquele vinho branco ligeiro e fácil de beber. Começam a aparecer alguns vinhos mais fora da caixa, como alguns com madeira ou até mesmo os Orange Wines — vinhos que fogem um pouco do normal. Nós aqui na A&D Wines trabalhamos muito com um sistema biológico e orgânico e acho que isso poderá também ser o futuro. No contexto nacional, estamos a começar a procurar conhecer melhor as castas e os monovarietais são uma tendência.
Qual a diferença de produzir os vinhos tradicionais e os biológicos?
Na vinha há toda a diferença, pois não utilizamos qualquer tipo de herbicidas, pesticidas, inseticidas. Só utilizamos cobre e enxofre, tal como se fazia há 100 anos. Envolve, também, muito trabalho manual para tirar as ervas… Na adega, existe alguma limitação de produtos, sendo que só podemos usar produtos de origem biológica. Mas nada que faça grande diferença, pois existe um leque de produtos essenciais dentro da gama do biológico. Além disso, a nossa filosofia é fazer pouca intervenção. Resumindo, a principal diferença é mesmo na vinha, pois estamos perante uma uva com menos químicos. É claro que as produções são sempre mais baixas e os riscos são sempre maiores, mas no fim vemos sempre resultados. Para o consumidor final, acaba por ser um vinho com menos químicos e mais saudável. Os vinhos biológicos acabam por ser um conceito, um ideal que faz toda a diferença no meio ambiente.
Existe alguma casta que você gosta mais de trabalhar?
Não tenho nenhuma particularmente, pois cada casta traz um desafio diferente. Mas, neste momento, a casta que mais me desafia é o Avesso, pois é a casta principal aqui de Baião. É a casta que estou a tentar explorar mais e a trabalhar, visto que não é muito conhecida por ser tão local. Na empresa onde estou tenho o privilégio de poder apresentá-la de várias maneiras e diversos estilos, devido a plasticidade e potencial que a casta tem.
E qual o seu estilo de vinho?
Isso depende muito dos dias… Depende do mood, da forma como estou, da companhia, da comida… Acho que há tanta coisa diferente nos vinhos que não podemos resumir a um favorito. Hoje gosto de um vinho mais leve, se calhar amanhã já gosto de um mais pesado. Hoje apetece-me um branco, amanhã apetece-me um tinto. Mas relativamente aquele que gosto mais de fazer, neste momento estou a especializar-me essencialmente em brancos e rosés porque é o que fazemos por cá. É aquilo que estou a tentar aprender mais e a tentar fazer melhor. Antes de vir para esta empresa, talvez tenha feito mais tintos, mas aqui ainda estou a aperfeiçoar as técnicas dos brancos. Uma das coisas que já aprendi aqui é que é muito mais difícil fazer um bom branco ou um bom rosé, do que fazer um bom tinto.
Tem alguma história curiosa sobre algum vinho que você já produziu?
Talvez a primeira e última vez que fiz um Late Harvest com uvas da podridão nobre em Côte du Rhône. Fizemos a vindima cerca de um mês e meio depois de termos vindimado todas as outras uvas. Não me recordo bem da casta, mas foi uma experiência engraçada, pois estávamos a receber uva completamente podre. Os próprios franceses iam lá e provavam diretamente os bagos e eu achei aquilo estranho, pois era a primeira vez que estava vendo o que era podridão nobre. Realmente eram podres, mas é um tipo de podridão diferente. Conforme viramos a tina, via-se um monte de pó de bolor e fungos pelo ar. Nesse ano a produção foi mais do que era esperada e não cabia na prensa e pediram-me que eu fosse calcar aquilo — algo que não gostei muito. Mas foi uma experiência bastante engraçada e depois de provar os bagos percebi que realmente eles até sabiam bem. Visualmente não despertava curiosidade nenhuma, mas o sabor era incrível. Esse foi, sem dúvida, o vinho mais estranho e curioso que me lembro de ter feito.
No dia a dia, qual é sua maior fonte de inspiração?
O sítio onde eu trabalho é especial e muito bonito. Talvez essa seja minha maior fonte de inspiração neste momento. Tenho feito aqui algumas coisas diferentes e tento explorar coisas que ainda não tenham sido experimentadas ou sejam fora do comum. Sou uma pessoa que gosta de desafios e, então, não me contento a ficar quieto sempre a fazer a mesma coisa. Este ano, por exemplo, foi o primeiro ano em que fizemos praticamente toda a vinificação com leveduras espontâneas e foi um desafio enorme. Felizmente correu bem e estou bastante satisfeito com o resultado final. No que toca a inspiração, não consigo falar de algo muito concreto. Por vezes, em conversas com amigos, surge uma ideia. Outras vezes, durante a própria vindima surge outra. Acaba por ser muito espontâneo.
O que você diria que um consumidor tem de saber para identificar um bom vinho?
Saber se gosta ou não gosta. Basicamente é isso. Quando um consumidor prova um vinho e se for agradável e saber bem, para ele é um bom vinho. Não serve de nada estar a dizer que um bom vinho é assim ou assado, pois não é o estilo daquela pessoa ou naquele dia não é o que lhe agrada. Quando as pessoas me perguntam o que é um bom vinho, a minha resposta é sempre: é um vinho que gostam. Se o vinho estiver a ser prazeroso e estiver a saber bem, então é um bom vinho. Até que, por vezes, um vinho sabe bem e é bom, e noutra ocasião pode não saber tão bem. Tudo influencia.
Quais são as referêncidas da A&D Wines?
Para Portugal fazemos dois vinhos de quinta que são o Casa do Arrabalde — um field blend de Avesso, Alvarinho e Arinto — e o Quinta dos Espinhosos. Depois na linha dos monocastas temos a gama Monólogo, constituída pelo Monólogo Avesso, Monólogo Arinto, Monólogo Chardonnay, Monólogo Sauvignon Blanc e Monólogo Malvasia Fina. A ideia dos vinhos de quinta é exprimir os terrois das quintas e são muito pouco interventivos aqui na adega. No caso dos monocastas, que são também de monoparcelas, tentamos exprimir o melhor da casta e do terroir. São vinhos sem madeira e com muito pouca intervenção. Por fim, temos o Singular que é um vinho no qual trabalhamos um pouco mais. A maior parte do lote é de Vinhas Velhas com várias castas e depois tentamos completá-lo com outras castas portuguesas como Arinto, Malvasia e Avesso. Além disso, 10% do lote fermenta e estagia sempre com madeira. É um vinho mais complexo e mais estruturado.
E o que vem por aí? Quais são as novidades?
Este ano, provavelmente, devemos lançar um novo branco e um novo rosé de gama alta. O resto, fica para mais tarde…
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