A paixão pelos vinhos sempre lhe esteve no sangue. Desde muito cedo que João Cabral Almeida estabeleceu contato com o mundo dos vinhos. Seus avós eram produtores e seu irmão mais velho, enólogo. Não tardou para que João seguisse seus passos e, hoje, apresenta-nos a sua própria empresa e todos os seus projetos.

João Cabral Almeida

João acredita que Portugal é um país cheio de potencial e seu principal objetivo é oferecer um pouco de cada região em cada garrafa que produz. Atualmente, trabalha nas regiões dos Vinhos Verdes, Douro e Dão. Além disso, é consultor em três projetos distintos: Quinta da Calçada (Amarante); Quinta Monte São Sebastião (Murça) e Quinta da Veiga (Covas do Douro).

Mas são os seus projetos pessoais que ocupam um lugar especial em seu coração. Como não poderia deixar de ser, João Cabral Almeida possui três projetos realizados em três regiões distintas. São eles, Camaleão (Região dos Vinhos Verdes); Omnia (Douro), Musgo e Liquem (Dão).

Vamos conhecer a história do João? Acompanhe a nossa entrevista.

Como você começou na enologia?

Tanto meus avós maternos como meus avós paternos eram produtores nas regiões do Dão, Douro e Vinhos Verdes. Mas talvez quem tenha tido alguma influência na minha escolha tenha sido o meu irmão mais velho que é, também, enólogo. Na minha família somos oito irmãos e cinco se encontram a trabalhar em vinho. Se me perguntarem se foi por gosto, certamente que foi, senão já tinha mudado de área. Acabou por ser uma escolha natural. Ingressei na Universidade para estudar Agronomia, no ISA, e já sabia que queria seguir a área da enologia e viticultura. Comecei a fazer vindimas desde muito cedo.

Onde foi o primeiro lugar em que você trabalhou?

Eu comecei a trabalhar num projeto familiar do Douro, mas durante meu percurso académico fui fazendo vindimas em diferentes zonas e em casas que os meus irmãos me iam aconselhando. Passei pelo Esporão, pela Taylors, Sogrape, Symington, entre outras. Viajei também até à Argentina para fazer vindimas e passei por várias regiões vitivinícolas para conhecer a realidade das diferentes regiões. Depois, procurei trabalhar com aqueles que achava que eram a referência nesta área. A paixão pelo Douro, na altura, levou-me a trabalhar com o João Brito e Cunha. Posteriormente, fui trabalhar com o Anselmo Mendes, um pouco por todo o lado. Procurei aprender o máximo possível com ele e foi, talvez, uma das pessoas que teve mais influência no meu percurso, além da minha família. Fui procurando ter uma visão global do setor. Atualmente passo cerca de 60% do meu tempo nos Vinhos Verdes. Nunca deixei o Douro e agora, recentemente, regressei ao Dão – local onde vivi até os meus 17 anos – onde dou aulas de viticultura e trabalho nos meus projetos Musgo e Liquem.

E onde você dá aulas?

Ensino na Escola Superior Agrária de Viseu, na qual dou aulas de viticultura e de estágio em contexto de empresa, uma parte mais direcionada ao trabalho de adega e estágio de vindima. É uma disciplina que dá os conhecimentos necessários para o mundo do trabalho.

E o que você diz para seus alunos que querem trabalhar nessa área? Qual a característica mais importante para trabalhar em enologia?

Tem de ter muita paixão por aquilo que se faz, pois é um mundo bastante exigente. Na vindima é ainda mais exigente e durante o ano tem o acompanhamento dos vinhos e o apoio comercial. Cada vez mais, os enólogos dão a cara pelos vinhos, o que nos obriga a viajar bastante. Mas se gostar do que faz, é uma maravilha. Já várias vezes me confrontei com a minha situação profissional, mas acabo por chegar à conclusão de que gosto muito daquilo que faço e estou bem como estou. No fundo, tenho a vida que idealizei desde sempre, quer a nível pessoal como a nível profissional. Tenho quatro filhos, sou casado com uma enóloga e tenho o privilégio de estar envolvido em projetos de que gosto e ainda desenvolver os meus projetos pessoais. É a concretização de um sonho.

Existe alguma casta que você gosta mais de trabalhar?

Sim, são várias castas misturadas e tenho a possibilidade de trabalhar com algumas delas. Trabalho com a vinha mais antiga da Região dos Vinhos Verdes, na Quinta da Calçada; trabalho com duas parcelas no Douro que têm mais de 80 anos com mais de 22 castas diferentes. Já no Dão, trabalho com vinhas não tão velhas – por volta de 40 anos – mas é uma mistura de castas muito grande. É sempre um desafio constante, todos os anos, decidir a data da vindima, o que colher e como vinificar. Claramente, não há uma receita e temos de ver e interpretar o melhor possível e depois procurar a vinificação mais acertada para respeitar a própria natureza. No fundo, o objetivo dos vinhos que faço é engarrafar o local de origem.

Para você o que define um bom vinho?

Para mim, um bom vinho é aquele que dá prazer a quem o bebe e bem-estar a quem o produz!

João Cabral Almeida

E qual é o seu estilo de vinho? Qual o tipo de vinho que gosta de produzir?

Eu não procuro nenhum estilo, eu tento interpretar a natureza o melhor possível para refleti-la na garrafa. Quando vinifico um projeto, um dos trabalhos que faço é procurar conhecer os produtores locais, a cultura, a paisagem, o local onde a vinha está. Sentir os aromas da vinha e toda a sua envolvente e depois procurar transportar isso para dentro da garrafa num perfil elegante e fresco.

Se você tivesse de produzir vinhos fora de Portugal, que região você escolheria?

Gosto muito de viajar e conhecer outras culturas e outros vinhos, mas cada vez gosto mais de Portugal. Sinto que somos um gigante adormecido e com grande potencial. Temos coisas muito boas: um povo acolhedor, gastronomia impressionante, paisagens únicas, vinhos excepcionais. Apenas temos um trabalho muito grande para fazer. Mas devo dizer que sempre me serviu de inspiração os brancos de Borgonha e os tintos de Saint-Émilion (Bordeaux).  Vejo-os como um exemplo, muitos começaram nesta luta há alguns anos e hoje em dia são mais do que sustentáveis, são um excelente exemplo do setor. É muito difícil escolher uma só região para fazer vinho, pois eu gosto de todas as regiões e quero tentar entender cada uma delas.

Qual é sua maior fonte de inspiração?

A minha fonte de inspiração costuma ser andar a acompanhar os ciclos da vinha, perceber o local onde a vinha se situa, a região onde está… No fundo, é aquilo que já referi. Quando começo um projeto novo, tento provar todos os vinhos de referência dessa região e tento perceber o que está bem e o que podemos fazer melhor. Tento interpretar todos os dados que tenho ao meu dispor, desde a vinha em si e todas as intervenções que preciso fazer. E na prova de bagos, tento perceber aquilo que me transmite para decidir a vinificação certa para procurar engarrafar o local de origem.

Um bom vinho é aquele que dá prazer a quem o bebe e bem-estar a quem o produz!

Tem alguma história curiosa de algum vinho que você produziu?

Eu espero que venha a ter uma história no futuro, relacionada com um dos grandes vinhos que sei que vou fazer. Todos os vinhos têm a sua história e é muito mais fácil contá-las estando a beber esse mesmo vinho. Desde que começo a trabalhar com a vinha, até ao momento em que é engarrafado, todos eles possuem a sua própria história. Espero chegar a uma altura da minha vida em que prove um vinho e diga: “Este era o vinho que eu procurava fazer”. Ainda não cheguei lá, mas já tenho bons resultados.

E o que vem por aí? Quais são as novidades?

O lançamento dos vinhos do projeto do Dão — são os primeiros resultados depois de alguns anos de procura nesta belíssima região. Acho que finalmente vou colocar no mercado os vinhos que ambicionava fazer, com as marcas Musgo e Líquen. Nos Verdes, para além de novas colheitas dos habituais Camaleão, um Loureiro de 2016 fermentado em barrica e com longo estágio em garrafa. No Douro, o lançamento do OMNIA Vinhas velhas 2015 e Touriga Nacional 2017.


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